Querem acompanhar-nos para todo o lado, vivem amedrontados só de pensar que algo de mal nos pode acontecer e, principalmente, tentam inconscientemente viver a nossa vida connosco pois só dessa forma sentem que não vamos fugir, que permanecemos dentro do seu ciclo de protecção bem circunscrito. Uma espécie de redoma onde só entra e sai quem pela aprovação deles passa.
Querem que sejamos autónomos mas simultaneamente dependentes do seu carinho, da sua atenção, das suas palavras que nos conseguem sempre acalmar de alguma forma e em qualquer altura.
Tive uma infância marcada pelo amor incondicional. Sim, que expressão tão batida, banalizada até por todos nós. Mas não há outra forma de o dizer. Aquilo que recebia e ainda hoje recebo em casa não pode sequer ser transposto para o papel. Não tenho como o fazer, não encontro as palavras certas e o medo de não estar à altura de contar a história é grande.
Fica nas nossas mãos, nós os privilegiados que contamos com esta rede que constantemente nos ampara, tentar dar o “grito do ipiranga”. Com calma e sem causar muitos danos emocionais, tentamos conquistar o nosso espaço e tempo, neste mundo louco, sabendo sempre que temos os nossos na retaguarda, a aguardar o momento em que voltaremos à nave mãe à procura da certeza de que não há bem que sempre dure nem mal que nunca acabe.
Mas o que acontece quando este nosso refúgio deixa de o ser e começa a tornar-se premente a necessidade que os papéis se invertam? Nós crescemos, eles envelhecem e bate-nos à porta o momento de cuidarmos deles . Será que estamos preparados para dar esse passo e tomar as rédeas quando, até aqui, sempre foram eles que o fizeram?
Esta dúvida assombra-me vezes sem conta. Passamos a ser nós os portadores das respostas certas, passamos a ser os adultos com uma missão que queremos levar a bom porto: a de dar tudo aquilo que fomos recebendo.
Não, não acho de todo que seja uma obrigação. Sinto, isso sim, que começa a despertar em nós o sentimento de protecção, a sensação de agarrar naquilo que nos é mais precioso e não largar mais até saber que de tudo fazemos, diariamente, para retribuir aquilo que nos foi oferecido de bandeja pelos nossos pais, as pessoas que mais nos querem bem.
Passamos a ser nós os professores, numa aula que não tem mais fim e que os abraça relembrando-os , ao longo do caminho, que “agora é a nossa vez. Não se preocupem, não vos vamos deixar sozinhos.”
As nossas prioridades vão mudando e vamos-nos adaptando a uma nova realidade que nada mais é que uma enorme lição de altruísmo e um teste gigante às capacidades humanas de dar, dar e dar sem quaisquer restrições. Dar e tentar, de alguma forma, igualar tudo aquilo que recebemos. E, parece-me, não haverá missão mais assustadora e gratificante do que esta.