Solar Power by Lorde

Como uma mãe abandona um filho na porta do convento, Lorde deixou os seus seguidores sem música desde 2017, saindo de cena depois de participar na banda sonora de The Hunger Games: Mockingjay – Part 1 e de nos deixar uma última palavra de melancolia e nostalgia em Melodrama.

Tal e qual como a sua expressão de quase permanente tristeza, Lorde abençoou alguns ouvidos mais treinados com um pop que seria, desde o início, uma nova maneira de o fazer. Sem apelar às massas ou a imagens facilmente digeríveis, Ella Marija deu-nos uma maneira rebelde de expressarmos até a mais pura das dores. Com letras que enaltecem os dias em que andava a contar os cêntimos na carteira achando que tinha toda a riqueza do mundo, beats e melodias que fazem a cidade mover-se em câmara lenta enquanto lutamos as nossas próprias batalhas que nem heróis numa daquelas séries americanas… Toda a estética de Lorde deixou-nos com vontade de pertencer àquele grupo de desajustados tão elitista.

“Deixou-nos” é uma boa maneira de o dizer. Quatro anos de silêncio. Quem gostava daquele art pop e daquele minimalismo que soava tão bem nas madrugadas vazias ficou sem ele, ouvindo em loop, durante todo aquele tempo uma nostalgia que parecia cada vez mais longe. Uma música que lembrava e relembrava os dias em que éramos mutantes na nossa própria realidade, agora sem poderes, vivendo conforme os humanos nos tinham finalmente vergado a viver.

20 de agosto de 2021, sozinho, enquanto o vento fazia a árvore da frente bater contra a janela, reparei que tinha acabado de ser lançado Solar Power, sem aviso e sem esperança. Caio em cima desta nova obra de arte, Stoned at the Nail Sallon, e começo a aperceber-me de que estava diferente, se calhar mais adulta e sem dúvida mais fresca. O fumo misturava-se com as memórias de um herói imbatível. California é quando o presente embebido em passado se torna tão gostoso, o sol a pôr-se encandeia os olhos e apercebo-me de um hippie da nova era. Notas psicadélicas e folclóricas juntam-se com a voz ríspida e tão suavizante do seu indie. Secrets from a Girl (Who’s Seen It All) finalmente faz-me entender que existe uma nova Lorde, tal como eu, mais crescida e segura de si própria, presa na sua própria nostalgia e traumatizada pela sua própria existência, mas comprometida a manter-se única e verdadeira a si própria, garantindo que nunca será o seu último grito artístico. Lani Yelich-O’Connor acaba, assim, por acordar dentro dos seus fãs aquele rebelde que sempre existiu, agora com uma nova visão da sua própria guerra, mais calma e sábia, descontraída e com muito ritmo, que concentra o poder de uma tarde quente de verão repleta de amor.

Sem dúvida um dos álbuns de 2021 a guardar em todas as playlists.

Nota: Este artigo foi escrito seguindo as regras do Antigo Acordo Ortográfico

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