Desta vez convido o leitor para uma sala de estar em Madrid. A casa pertence a um jovem casal espanhol e o assunto em discussão é o futuro da Europa. O mesmo se discute nas instituições europeias em Bruxelas, mas nenhum destes se apercebe que estão a falar do mesmo.
O Presidente da Comissão Europeia apresenta o esperado “Livro Branco”, a proposta de direção para o futuro da Europa. Enquanto europeísta, a minha curiosidade era bastante significativa para este documento, com a consciência que o mesmo não se verificava na maioria das pessoas.
Para mim o “Livro Branco” é um documento de elevada importância, quando penso que Jacques Delors, enquanto Presidente da Comissão Europeia, dirigiu a União para o Mercado Único a partir da mesma iniciativa em 1985. Portanto, a questão levanta-se: qual é o conteúdo do Livro Branco apresentado agora, quando se vive uma incerteza sobre o rumo que a Europa deve tomar?
A Comissão apresenta isso mesmo, a incerteza refletida em cinco opções de percurso que vão desde a redução da UE às suas competências económicas e comerciais à maior integração como caminho para uma (ainda que distante) federação.
E qual é a opinião do jovem casal espanhol? Aqui, nesta sala, discute-se os problemas que os afetam no dia-a- dia e nesses eles apontam para a Europa. São problemas de grande importância e cuja resolução está longe de acontecer, mas a discussão parece não ser coincidente com os temas na bolha de Bruxelas.
Aqui discute-se a precariedade dos postos de trabalho, os salários baixos, os constrangimentos de uma moeda única demasiado forte e a preocupação com a dimensão da dívida pública. Outro dos caminhos propostos pela Comissão é a Europa a várias velocidades, que o casal parece reconhecer já existir. Acham legítima a revolta de alguns povos em contribuir mais para UE do que retiram, ainda que eu argumente que o mesmo não acontece em todos os sectores. Falamos sobre a dimensão dos juros das dívidas públicas e que os contributos dos países credores serão recompensados no futuro.
O Presidente da Comissão Europeia fala de solidariedade. Talvez estejamos mais perto no que a isto diz respeito. Solidariedade é uma palavra forte e a Eurovisão entra na discussão. Continuamos na Europa a várias velocidades, numa conversa em espanhol em que partilhamos largos traços culturais. Mas os espanhóis não nos perdoam o ano em que a Austrália votou mais a favor da Espanha neste concurso de música que o vizinho ibérico.
Não posso deixar de ignorar as faixas que dizem “Welcome Refugees” em vários pontos da cidade, que também tinha encontrado em Varsóvia, e pergunto-lhes o que significa para eles. Respondem-me que demonstram a abertura da maioria dos espanhóis contra aqueles que se opõem. E opõem-se por questões de segurança, diferenças culturais, como os polacos? Não, respondem-me. Opõem-se pelas condições económicas do país, por receio da perda de mais postos de trabalho.
Estas conversas fazem-me ver as proximidades nos discursos e os grandes intervalos que ainda têm de ser ultrapassados. Se o projeto europeu quer chegar ao quotidiano das pessoas e demonstrar o seu lado positivo, deve fazê-lo com maior atenção aos grandes problemas e não nos pequenos feitos.
Há uma Europa que nos une, uma Europa que nos faz sair do nosso país e entender que não somos tão diferentes quanto pensamos. Ainda assim, os problemas a resolver são distintos em função da região onde nos encontramos. A dificuldade de falar a 28 vê-se reflectida nisto.