Nas últimas eleições legislativas, 1.169.836 pessoas escolheram o Chega como a melhor opção para ter maioria na Assembleia da República e, assim, conseguir formar governo. No seguimento deste resultado, vozes houve que vieram logo defender que não existem 1.169.836 fascistas ou xenófobos em Portugal.
A avaliar por alguns resultados do estudo Democracia, Migração e Estado Social, da Fundação Friedrich Erbert Stiftung, conclui-se que os portugueses consideram a pluralidade cultural como um fator de enriquecimento, não rejeitando os migrantes, e até da opinião que os filhos de imigrantes devem ter nacionalidade portuguesa (74%). São, portanto, atitudes progressistas e dignas de uma sociedade tolerante, onde a pluralidade de opiniões e origens étnicas são encaradas como positivas para a sociedade de acolhimento.
O outro lado do relatório, porém, permite perceber que, apesar de “apenas” 26% defender que os imigrantes não deveriam ter os mesmos direitos que os portugueses, 57% querem ter prioridade no acesso à habitação e emprego (44%). Mais, 62% julgam ser necessário um líder forte que possa decidir rapidamente sobre tudo, que os políticos são desonestos (66%), que deveriam cumprir a vontade do povo (77%) e só 44% rejeita o salazarismo.
Não querendo tirar conclusões precipitadas, até porque não é um estudo a toda a população nem é suficientemente aprofundado, mas é possível ver uma ambivalência de atitudes quanto aos imigrantes (que até se verifica noutros estudos), um certo sentimento de chauvinismo social, com a defesa de um acesso diferenciado aos serviços prestados pelo welfare state, e propensão ao populismo, que se revela na defesa de um líder forte, livre de diferentes interesses e agisse nome do povo.
Se analisarmos alguns dos argumentos contra a imigração, invariavelmente sempre surgem temas como o mercado de trabalho, acesso à habitação e benefícios sociais.
No que toca ao mercado de trabalho, a ideia que predomina é a de que os imigrantes “roubam” os trabalhos aos portugueses. Se pesquisarmos um pouco sobre a inserção dos imigrantes no mercado de trabalho, facilmente nos apercebermos que estes estão em trabalhos mais precários, em piores condições, menor possibilidade de progressão profissional e com pior remuneração. O número de contratos temporários e de part-time é superior entre os imigrantes do que entre os portugueses, com aqueles a receberem, em média, menos 94 € do que os nacionais.
Ao argumento de que os imigrantes são a causa da falta de casas ou do seu aumento. Mais uma vez, a realidade destoa do que do senso-comum. Em Lisboa, por exemplo, entre os sem-abrigo, são os imigrantes a maioria e, num plano mais alargado, entre os que conseguem casa, alguns vivem em contentores ou casas sobrelotadas.
O crescimento do Chega não se justificará, certamente, com o “acordar” de uma multidão saudosista de Salazar ou xenófoba. Todavia, umas das explicações, passa certamente pela reação ao facto dos partidos que deixaram de responder aos problemas enfrentados pela nossa sociedade e a um ceder ao canto da sereia populista, que também não resolverá o problema.
Hoje, Portugal é o país onde cerca de 13% da população vive em casas sobrelotadas ou com humidade, onde 60% dos agregados têm dificuldade em suportar os custos com a habitação e 12% acredita que está em risco de perder a habitação nos próximos cinco anos. Temos quase 20% da população portuguesa que não consegue aquecer a casa, o que nos coloca em quarto lugar na União Europeia. Infelizmente, nem ter um trabalho é condição para conseguir ter um teto onde dormir, porque já existem trabalhadores que vivem na rua.
Temos os jovens mais bem preparados de sempre, mas com uma taxa de desemprego de 20,3%, que contrasta com 6,5% para o total nacional. Entre os jovens1 que conseguem um trabalho, 60,7% recebe um salário inferior a 1000 € líquidos mensalmente. Somos o país onde um jovem licenciado recebia menos em 2020 do que um jovem licenciado que entrasse no mercado de trabalho em 2006.
O Governo de António Costa teve a proeza de conseguir o maior excedente orçamental em 50 anos, mas três em cada quatro famílias têm dificuldades em pagar as suas contas. Nas famílias que recebem até 800 € por mês, metade não consegue comprar os medicamentos que precisam.
A este retrato social poder-se-ia acrescentar os problemas no SNS ou na escola pública. Contudo, é suficiente para se perceber que estamos muito aquém do que seria suposto. Na verdade, entre políticas de austeridade, do PSD, e as contas certas do PS, muito pouco se tem feito para impulsionar a melhoria das condições de vida.
E é aqui que a retórica populista entra em ação, apontando os defeitos de uma elite corrupta e de um grupo de políticos que não representam o povo, sendo necessário mudar todo o sistema. O populismo, instrumento retórico da extrema-direita, explora estes problemas e procura criar uma polarização na sociedade, numa lógica de dividir para reinar, com um único objetivo: chegar ao poder. Do que sabemos por outras experiências, a liberdade e tolerância dada a estes partidos só serviu para reduzir a liberdade e criar políticas intolerantes.
1 Dados para jovens trabalhadores por conta de outrem.