Estava um destes dias, num momento de total apatia, em scroll pelo Instagram, quando me “cruzo” com um direto aleatório de alguém que acompanho há alguns anos. Parei e fiquei por largos momentos, a tentar compreender de quem efetivamente se tratava. O conteúdo não tinha especial interesse, o que me prendeu e fez pensar foi o exagero do filtro utilizado. Não era o filtro bonitinho do cãozinho ou o do alien assustador, nem tampouco o filtro do brilho extra ou o da torrada. Era um outro tipo de filtro. Daquele tipo que modifica até a estrutura óssea, que afina o nariz, aplica aqui e ali umas sardas bem bonitas, corrige totalmente a tez, elimina rugas e dá um brilho extra de felicidade ao olhar. Nada contra quem gosta. Mas fiquei a pensar: qual o verdadeiro impacto que tudo isto tem, na forma como nos vemos e na mensagem que transmitimos? Estará de acordo com aquilo que defendemos enquanto mulheres?
Março é tido como o mês da Mulher e, com o dia internacional da Mulher à porta, não consigo deixar de fazer o paralelismo entre a utilização massiva deste tipo de filtros e a velha e gasta perfeição que nos é exigida.
À mulher é exigida, tão e somente, a perfeição. Desde sempre! A caixa perfeita. O embrulho fantástico e o interior brilhante e polido. A vida familiar impecável e a profissional esforçada, a aura da mulher dedicada. Tudo, na mesma caixa.
Acontece que a mulher comum está longe disso. Na mulher comum tem olheiras, vontades, anseios, preguiça, determinação, cansaço, paz, tranquilidade, euforia…o que for. Tudo desfasado no tempo e ao mesmo tempo, no mesmo dia. Cada uma a ser a sua melhor versão do que é ser mulher. E ser mulher, na minha ótica, é isso mesmo – a procura da sua melhor versão, com todas as nuances que cada momento provoca em cada uma das suas versões. Confuso, não é? Não. Complexo!
A aparência é, desde os tempos mais remotos, a maneira mais fácil de reduzir, elevar ou “encaixar” uma mulher. Os padrões de beleza alteram-se de tempos a tempos e a mulher é forçada a acompanhar. No caminho, perde-se muito do que é auto-estima e amor-próprio.
Sou totalmente a favor de retocar, embelezar, afinar e apurar quem somos e como aparentamos ser, da forma que melhor funcione para nós. Mas não será demasiado redutor fazê-lo através de uma app, de um modo tão profundo que quando terminamos já não somos nós, mas sim uma versão estranha que se parece connosco?
Gritamos por liberdade, por vivermos a nossa verdade, mas aprisionamo-nos com filtros que nos modificam a essência. Damos viva às “corajosas” que ousam publicar sem maquilhagem e que dizem coisas como “até aqui estou, assim… sem filtro nem nada!”.
É mesmo verdade que só ainda estamos aqui?
Estamos preparadas para retoques e manipulação de imagem, nas grandes produções fotográficas. No entanto, o que acontece, quando nos habituamos a ver a nossa própria imagem refletida dia após dia, de forma distorcida e irreal? Voltaremos a gostar do nosso próprio reflexo? E quando crescemos a admirar apenas imagens manipuladas e distorcidas?
É de destacar que muitas vozes “influentes” começam a fazer estas mesmas questões, o que é bastante positivo e abre uma porta para a mudança. Pessoalmente, não tenho resposta para nenhuma destas questões, mas acredito que vale a pena refletirmos mais uns segundos da próxima vez que escolhermos um filtro!