Hipernormalização e Bipolarização

Desde a década de 70 que ocorre um fenómeno sociocultural a que o autor e realizador Adam Curtis, que desenvolveu um incrível documentário para a BBC, apelidou de hipernormalização e que o definiu como um conjunto de forças orientadas para manipular a complexidade da realidade, de forma a torná-la mais simples e permitir que essas forças a controlem.

Este fenómeno passou dos bastidores político/financeiros para o mundo digital, provocando efeitos como a criação de narrativas simplificadas, que estimulam a discriminação de argumentos para todas as questões, fomentando grupos que concordam uns com os outros e bloqueiam qualquer tentativa de discussão saudável com quem o concorda.

Esta neodiscriminação e bipolarização de ideias distancia-nos cada vez mais da realidade necessária para a verdadeira transformação, tornando tudo em preto ou branco, tudo igual e tudo muito monótono. Sem discussão de ideias, não há ideias novas e cá vamos nós nestas últimas décadas, encostados a um ciclo de crises económicas, sociais e políticas de que não conseguimos sair e que está a dar um novo fôlego aos supremos donos de cada um dos lados da dita bipolaridade, os extremismos políticos, com clara vantagem da extrema-direita, em concordância com políticas anti-sociais que acabam por favorecer as grandes empresas.

Desta soma de fatores, resulta um deserto de líderes, seja porque os jovens, profundamente descrentes no sistema procuram formas de se adaptar, envoltos num cenário de doenças mentais precoces, ou porque os que estão mais alertas para o desenrolar desta manta de desequilíbrios já estão demasiado seniores para ainda ter a bravura necessária para lutar contra tanta podridão. Resta-nos o mais do mesmo, os ciclos intermináveis de lideranças mais preocupadas em garantir o seu futuro pessoal que os dos que os escolheram para governar, pessoas vazias de ideias ou sentimento de missão, para quem os cidadãos são apenas um meio para conseguir encher os cofres do estado, incapazes de entender que é preciso um objetivo, um propósito universal para poder guiar um país através de um século com muitas mudanças.

No meio de tudo isto, a tecnologia, sempre criada por pessoas bem-intencionadas, acaba por ser manipulada por quem dispõe do capital para a fazer crescer e as plataformas de interação social acabam por ser nações de várias nações, que ignoram os direitos dos seus utilizadores, roubando-lhes os seus dados pessoais, fomentando a falsa arte, a falsa interação social, a falsa discussão de ideias, as falsas relações e todas as falsidades de que os seres humanos são capazes.

Sou um otimista por natureza, consigo ver o lado bom em tudo e concordo com Yuval Noah Harari que no seu fantástico livro Sapiens, consegue demonstrar que, no meio de toda esta desgraça, conseguimos estar melhor hoje que há 100 ou 200 anos. Contudo, para isso continuar a acontecer, precisamos de primeiro resolver todos os problemas causados pela revolução industrial e pelo mau capitalismo, de parar uma vez por todas de destruir o nosso habitat e os nossos vizinhos de planeta. Também precisamos de estruturar dramaticamente o sistema educativo e de dar lugar à criatividade e ao talento natural de todos e, por fim, precisamos de recordar os direitos da humanidade e usá-los como principio diretor de todas as políticas.

Quanto a mim, o advento da inteligência artificial, a ter estes valores contidos no seu desenvolvimento, provocará uma revolução em que finalmente, poderemos viver mais em harmonia com tudo e todos. Veremos.

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