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“2046”

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É sempre demasiado tarde ou demasiado cedo para amar nos filmes de Wong Kar-Wai e as personagens divagam na linha ténue entre a expectativa e o arrependimento.

2046 não foge a esta premissa.

Depois do tão aclamado “In The Mood for Love” (2001), Wong Kar-Wai, “2046” chega na continuação da tristeza erótica que atinge uma espécie de perfeição na história de amor entre um homem e uma mulher que moram em quartos de hotel ao lado um do outro.

A comparação entre os dois filmes torna-se inevitável. O ambiente de época, a carga emocional tão bem representada no rosto das personagens, a música, o barulho dos saltos altos numa rua deserta e noturna, os dias de chuva em Hong Kong.

No entanto, “2046 assume essa semelhança na própria narrativa e ao mesmo tempo distingue-se dela, como que lhe colocando o verdadeiro final. 

Ao longo do filme, acompanhamos Mo Wan Chow, que escreve um livro de ficção científica sobre o futuro enquanto recorda seus relacionamentos do passado e se envolve com as suas vizinhas de quarto.

No entanto, o Chow que conhecemos em “In The Mood for Love”, não é o mesmo que conhecemos em “2046”.

A amargura de quem tenta esquecer o passado, sem o admitir a si próprio, está presente ao longo de todo o filme, o que leva a personagem a tornar-se distante do amor romântico ao qual antes se entregou.

Ao criar um mundo de ficção científica no livro que se encontra a escrever, Chow confronta-se com as suas próprias emoções e com as suas próprias narrativas no amor.

In the Mood for Love” apresentou-nos uma história de amor sem esperança, aquela que se perdeu mesmo antes de começar.  “2046” retrata as tentativas desesperadas de superar a repressão das emoções pela repressão da identidade. O amor idealizado de Chow por Su, que perdeu, leva-o a um estado em que ele não consegue manter-se sequer fiel às suas emoções ou à compreensão das mesmas. 

Os pensamentos de Chow são explorados no mundo da ficção científica do seu romance “2046”. Cada uma das personagens da sua vida é retratada como uma personagem do romance e as suas verdadeiras emoções em relação a elas são expostas, à medida que a escrita avança, até mesmo para ele.

Tal como noutros filmes do mesmo realizador, também este não falha em cruzar narrativas que ao mesmo tempo se interceptam. Diferentes narrativas, diferentes tipos de amor, mas sempre o mesmo olhar íntimo sobre cada um deles.

Contudo, mais do que sobre amor, este filme parece ser sobre escolhas, sobre memória, sobre o confronto com o passado. E Wong Kar-Wai é exímio no retrato deste confronto.

A intimidade e a imersão são tais que o espectador respira e suspira com as personagens. Entre os instantes, os olhares e o toque que as personagens partilham durante o filme, ficam as opções e as escolhas. Sentimos, em cada plano, o peso que implicam essas escolhas quando se trata de sentimentos e, tal como a personagem, reconhecemos a diferença entre o amor idealizado e o real, mesmo que aos dois tentemos escapar.

Em “2046”, a simplicidade e romance de “In The Mood for Love” são substituídos por algo mais caótico, pesado e real. Se por um lado sentimos uma neblina de emoções que nos ofuscam como o fumo dos cigarros de Chow, também ganhamos uma clareza no que significa amar (ou não amar).

O que se torna mais relevante neste filme em relação ao anterior, é o facto de que “2046” tem o poder de afectar cada espectador de forma diferente. O que cada espectador retira deste filme vai depender de si, de uma forma que se calhar “In The Mood for Love” não faz.

E não conseguiria falar de Wong Kar-Wai sem falar de fotografia. Mais uma vez, “2046” é um exemplo de como a fotografia, a forma de captação, os planos, os ângulos, a luz, o som podem ser tão importantes para criar expressividade e emoção. Mais do que significado, Wong Kar-Wai é distinto no que toca a criar um “mood” no cinema. 

O diretor de fotografia Christopher Doyle, que é colaborador de longa data do diretor, fez um ótimo trabalho ao capturar o belo mundo criado por Wong Kar-wai, com todas as suas partes “sujas” e ao mesmo tempo belas, que só o tornam mais magnífico.

Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do Novo Acordo Ortográfico

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