Os amigos das redes sociais

Chamamos amizades a algo que não o é: o uso da palavra “amigo” nas redes sociais é enganadora, porque o que construímos é uma rede de contactos, nem sempre útil, mas que todos gostaríamos que o fosse.

As amizades sempre se construíram na proximidade. Mesmo aquelas que, na verdade, não eram verdadeiras. Não tenhamos ilusões que sempre houve os interesseiros, que à primeira oportunidade traíam o amigo ou o abandonavam. A questão é que nas redes sociais não há pejo em se fazer contactos desse género. Nas nossas redes estão pessoas que chegarem até nós só pela curiosidade (a nossa curiosidade pelo estilo de vida delas ou a curiosidade delas pelo nosso estilo de vida), que completam a rede de ‘networking’g’ (e podemos juntar os colegas de trabalho atuais e do passado), as pessoas que seguimos pelo seu conteúdo específico (quer seja vídeos de humor ou dicas de maquilhagem), e por fim um sem número de conhecidos que nem cumprimentamos na rua, mas cuja amizade aceitamos (ou pedimos) porque algures já nos cruzámos com eles.

Continuo a achar que o problema é chamarmos a estas pessoas “amigos”. Porque os amigos não são do virtual, e toda a gente conhece alguém sem redes sociais. A ilusão é chamarmos “amigos” a estas pessoas. Se lhes chamássemos apenas “contactos” ou “conectados”, talvez a nossa relação com essas mesmas redes sociais fosse diferente.

Depois também conheço que esteja privado da convivência social por motivos de saúde ou de idade. E é com alegria que descubram estas pessoas utilizam as redes sociais para ultrapassar a solidão: porque têm dificuldade em fazer visitas, em ir ao café, lhes falta a convivência do trabalho, a saída a um evento cultural. Ali estão as redes sociais para ajudar, talvez, a cumprirem a sua função primeva.

Tive umas quantas pessoas de quem gostava que perdi na vida. Perdi no sentido em que cada um seguiu o seu rumo. Crianças não trocam contactos. Nem tínhamos contacto pessoal. Fui da geração que só teve telemóvel aos 18 anos (associado a ir estudar para a universidade e sair de casa). E mesmo assim os números perdiam-se a cada avaria, e continuam a perder-se. As redes sociais permitiram-me restabelecer esses contactos perdidos. Encontrei o Pedro, a Felicidade (quantas cartas tentei-lhe enviar depois dela se ter ido embora?), a Cristiana (que por portas e travessas descobri onde trabalhava), a Djamilia (que entra e sai das redes). Falta-me encontrar o Pablo, colega costa-riquenho da primária, de que não me lembro do apelido.

Depois há outros, os que partiram realmente. O Ângelo pediu expressamente que as suas redes sociais não fossem apagadas. Outras pessoas talvez ainda lá estejam porque ninguém acionou os mecanismos de lhes apagar as redes. É uma sensação estranha, e amarga, sempre que reencontro as páginas do Ângelo, por exemplo.

As redes sociais, afinal, até são capazes de ter muitas utilidades. Nós é que temos de ter a distância suficiente para que não nos deixemos cair em ilusões.

Nota: Texto escrito com o Novo Acordo Ortográfico.

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