Dillon, de três anos, desaparece depois de um terramoto em Marrocos, onde vivia com os pais, Harry e Robyn. Harry sente-se muito culpado por ter deixado o menino sozinho e ele ter desaparecido, mas a mulher, Robyn, mostra-se compreensiva – ela tem os seus próprios segredos. Juntos tentam ultrapassar a terrível tragédia que é perder um filho. Cinco anos depois, de volta ao seu país, Irlanda, Harry vê Dillon. Tem a certeza que é ele! Afinal, nunca foi encontrado um corpo, existe a possibilidade de ser ele. Porém, Robyn, que se tinha esforçado tanto para sobreviverem juntos que acontecera, não vai aceitar bem esta (nova) ilusão de Harry, este ressuscitar da dor, e a confiança entre eles pode chegar ao seu limite.
Acima de tudo, The Boy That Never Was é uma história intensa. Um livro narrado a duas vozes, a de Henry e a de Robyn, que foi também escrito a duas mãos, já que na realidade são dois autores que assinam como Karen Perry (Paul Perry e Karen Gillece). Interessante o facto de terem escolhido um nome de mulher, em vez de o nome de um homem, como no caso do sueco Lars Kepler (Alexandra Coelho Ahndoril e Alexandre Ahndoril).
É, de facto, uma história intensa, não só pela história mas pela forma como foi também escrita. Página a página vamos acompanhando a busca desesperada de Henry pelo filho, as dúvidas e certezas que o assolam, os vícios, a culpa, o passado. Há uma parte que achei magnífica em termos narrativos: Henry está bêbedo e tudo parece acontecer ao mesmo tempo, está uma confusão, e a própria forma de contar está assim, confusa, sem sentido, para nos dar também essa sensação de ebriedade. Sentir o que o Henry está a sentir, em vez de contar o que o Henry está a sentir. E, mesmo narrado de forma confusa, louca, quase mágica, continua bem escrito. Adoro.
Ao mesmo tempo que sofremos com Henry, estamos também ao lado de Robyn, dos novos acontecimentos na vida do casal, das esperanças que Robyn tem, das memórias, dos medos. Com Robyn (e, depois, com Henry), começamos a duvidar se realmente Henry está louco, a ver coisas porque as deseja, se a culpa deste pai é tão grande que o faz imaginar que o filho está vivo. Com Robyn começamos também a perceber os segredos de que ela não se quer lembrar.
E vemos como, numa espécie de espiral, esses segredos vão colidir com a busca de Henry. Vemos a tragédia a desenrolar-se e queremos pará-la, mas não podemos. Só podemos ler avidamente, com nervos, e ver como esses segredos acabam por apanhá-los, aos dois, numa dor desconcertante e num final que não esperava. De ficar com o coração nas mãos. De querer voltar atrás e mudar, não entender, porquê? Contudo, os finais tristes também são bons finais, não podemos ter sempre tudo. E o que fica para além das palavras – essa revolta, esse querer mudar um mundo ficcional – mostra o bom que é o livro.