Cristãos ou não, o facto é que o conteúdo final do Novo Testamento se encontra gravado a ferro e fogo, de forma arquetípica, no nosso inconsciente. Todos conhecemos as referências mais gráficas do Livro do Apocalipse. Elas estão na literatura, no cinema e no nosso dia-a-dia. Por mais que não queiramos, temos noções do que significam os termos “Babilónia”, “Nova Jerusalém” ou “Anticristo”. Quando Israel foi destruída pela Babilónia e os Judeus levados para o exílio, o nome Babilónia ficou para sempre associado “à mãe de todas as abominações”, à “grande prostituta”. A destruidora. Por isso foi fácil, quando novamente voltaram a ser invadidos pelos Romanos, designar Roma como a “Babilónia”.
Hoje, há muitas Babilónias, dependendo do posicionamento de quem olha. Para Vladimir Putin, a grande Babilónia que deve cair é a civilização Ocidental. Os Estados Unidos e a NATO representam o Anticristo… tal como o próprio Putin é assim representado aos nossos olhos. A Nova Jerusalém, será a Neo-Eurásia que ele pretende reconstruir após o Apocalipse e toda a destruição a ele associada. Foi interessante, confesso, enquanto académica ligada ao estudo da História e dos movimentos apocalípticos, ouvir o discurso de Putin na celebração dos 8 anos da anexação da Crimeia. Vê-lo recitar textos sagrados e revestir-se da capa messiânica de quem tem a missão de salvar aqueles que chama de irmãos, mas está, na verdade a destruir, tem tanto de tétrico, sádico, bizarro quanto de interessante.
Ao longo da História, temos tido vários Anticristos. Nero, Hitler, Mussolini, Putin. Claro que a visão dele é a oposta. Para ele tudo o que o Ocidente representa, sim é ligado ao Anticristo, mas se atentarmos bem na descrição do Novo Testamento, o Anticristo é um falso Cristo, ou seja, um falso Messias. Quando falo de falso Messias, ribomba na minha cabeça o discurso messiânico de Putin perante um estádio parcialmente cheio de pessoas pagas para estarem presentes. Algumas das quais, só souberam ao que iam, quando entraram. É assim a máquina bem oleada da propaganda do Kremlin. Se Putin tem ou não uma doença terminal, não podemos saber com certeza. Contudo, se tiver, imbuído deste espírito megalómano e imperialista travestido de salvador da Ucrânia, podemos dele esperar qualquer coisa. O Anticristo, dizem-nos os textos escritos sob o pseudónimo de João de Patmos, é o rei das mentiras. Hoje, em pleno século XXI, poderíamos dizer que seria o rei da propaganda e da desinformação, isolando o seu povo da verdade, prendendo quem explica o conflito e transmitindo dos canais estatais fake news sobre a guerra… perdão… a “operação militar especial” que decorre na vizinha Ucrânia.
Depois da pestilência da COVID-19 (as “pragas” sempre foram vistas como castigos divinos ao longo da história e fazem parte do escatológico final do mundo), temos agora a guerra, a morte e a fome com o aumento dos preços dos combustíveis, a escassez de cereais devido ao ataque ao celeiro da Europa e ao aumento generalizado de preços. Simbolicamente, podemos dizer que os 4 cavaleiros estão aí. Se pensávamos que o Mundo se tornaria um lugar melhor e mais unido pós-Covid, enganamo-nos. O Mundo continua um lugar povoado por Egos inseguros, mascarados de omnipotência. Empurrados e instigados por filósofos fascistas e megalómanos como Alexandr Dugin ou Ivan Ilyn e preenchidos por fantasias antigas e sombras do passado Czarista que alguém quer recriar antes do fim de vida.
O pior é que isto é cíclico. Hoje temos um Putin. Mais para a frente teremos outro. O mundo já viu a ascensão e queda destas figuras e continuará a ver, pois a fantasia delirante da grandeza messiânica e o desejo de um mundo novo que sirva os seus propósitos, continua a ocupar algumas mentes. Infelizmente são sempre as mentes de quem tem poder, ou o dedo no botão do nuclear.