No teu corpo

Noite. Quarto de hotel usado vezes sem conta. Lençóis tão impessoais e muito frios. Almofada que apenas suporta um pescoço cansado. Paredes que sabem escutar. Ali já houve vida que se escudava ao repouso. Paredes que souberam ser mãos que amparavam o fulgor de verdes anos e dos desejos que não sossegavam.

Quantas vidas terão passado por aquele espaço? Será que houve tempo para conversas ou a ânsia do momento seria mais veloz que a fala? Corpos que se davam ser olhar nem querer saber.  Êxtases que se atingiam sem ligações que pudessem trazer memórias. Momentos apenas e nada mais. Sem ligações que pudessem ser incómodas.

Passou a mão pelo ombro. Ainda sentia o seu toque, o macio da sua mão e o odor da sua fala. Tudo tão presente como naquela tarde de chuva que se refugiaram no hotel onde se devoraram de desejo e de paixão. A chuva caía descompassada e eles, um dentro do outro, não se queriam apartar. Um ninho que acolhia e que apertava de conforto.

A química, ou magnetismo, era tão intensa como a trovoada que se ouvia por todo o prédio. O ribombar dos trovões, ritmado pelos arfares dos amantes, acarinhava aquele amor que se fazia sem tempo nem hora. Paravam e logo recomeçavam. A língua descia nos corpos, encaminhada por quentes saberes ancestrais, que percorriam estradas de prazer mudo.

Ali era o receptáculo de tudo, o início do mundo e a guerra que se fazia. Entre eles assinava-se o tratado de paz e o ênfase dado a cada passo, a cada toque, a cada respirar, tinha mais poder que armas de longo alcance. Era ali que se sentiam plenos e perfeitos. O porto seguro sem ser ninho.

Solidão. O quarto era o mesmo, mas faltava a luz que guiava, a acendalha que soltava a brasa a que permitia que o corpo perdesse o controle. Uma simples tarde e tudo mudou. Um contorno de corpo, uma atracção irresistível, um olhar que queimava. Tinha sido ali, mas agora o silêncio doía.

Fechou os olhos. Percorreu-se como se ainda tivesse a frescura da inocência na ponta dos dedos. Sentiu-se. Não como antes, mas, num esforço hercúleo, avistou tudo de perto. Eram os seus olhos que penetravam em si, tal como o seu corpo imaginava. Elevou-se e, por breves momentos, a dor amainou quando o vulcão se libertou em paz.

A sua cabeça tombou e o cheiro do corpo desejado, aquele obscuro objecto de desejo e de imenso prazer, repousou a seu lado com bonomia. Seria real ou o desejo, aquela brasa que ardia constantemente e enganava com umas artes e manhas de antanho? O amor não pode ser assim, nem a paixão.

Embalado no sono, reviu o corpo que o impelia, a brancura da pele, o colo convidativo, as nádegas desenhadas com rigor e tão atraentes que seria quase criminoso lhes resistir. Tocou-lhe. Primeiro com os dedos, depois com a língua e finalmente com a parte que se aproximava como um íman. Entrou. Uma vez. Outra. Mais. Tantas. Uma tarde que se fez noite e que tudo iluminou. Êxtases que não cansavam.

Acordou. Era dia. A almofada tinha o seu cheiro e sentia o sabor do seu sexo na boca. Umas mãos, muito doces e quentes percorriam-lhe a zona púbica. Estaria acordado ou a sonhar? Estremeceu. Um órgão quente aproximou-se de si. Uma flor aromatizada de desejo despontou. Ondas de suspiros pairavam no ar e línguas sábias chegaram aos destinos. Há sexos que se fecham e outros que se abrem.

O amor não se faz, nasce em cada pequeno gesto e toque. O sexo é de cada um. A paixão cresce de forma selvagem e intumescida. O beijo suave e tímido que se agiganta para selvagem, dá-se por prazer. O corpo é o templo do querer. O tempo deixa de o ser quando outros valores mais altos sabem como chamar.

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