Pais e filhos

Quantas vezes ouvimos “ainda vai partir os pratos todos de uma só vez”? Talvez num momento ou outro em que os nossos pais foram mais protecionistas connosco, ou ainda quando assumimos esse papel enquanto pais. Podemos imaginar estas vidas, estas histórias. Algumas do passado já as conhecemos, e talvez por isso a sabedoria popular eternizou esta questão retórica. Era sempre imaginado o pior, alguém que se tornava adulto sem autonomia, sem saber se desenvencilhar, sem ser capaz de encontrar um emprego, ou de o manter, a viver na casa dos pais até à velhice, com comportamentos aditivos, sem rumo. Ou então, aquele ou aquela jovem que deixava tudo para trás e desaparecia para viver a sua própria vida: normalmente para uma rua ao lado, num casamento precoce que prometia independência que muitas vezes não vinha.

Pais protetores sempre foram uma realidade. Talvez antes o controlo era sobre a vida amorosa dos filhos, as suas amizades, os seus comportamentos. Não podes, não deves, ouviram tantas vezes jovens de uma geração nitidamente em conflito de gerações. Porque não poderia namorar com, não podia ser amigo de, não podia sair à noite, não podia ficar na rua depois da escola. Muitas vezes tornava-se no não podes ter aquele emprego, não podes ir de férias para aquele lugar, deves votar naquele partido.

Hoje ficamos espantados, quando ouvimos relatos de que os pais vão até à universidade reclamar disto ou daquilo. Ainda há 20 anos, seria motivo de extrema vergonha que um pai, ou uma mãe, fossem até à secretaria da faculdade tratar de um qualquer impresso, ou fosse junto do departamento reclamar de uma nota. Ou aquele outro relato, de uma mãe que acompanhou o filho a uma entrevista de emprego. Em que adultos se podem estes jovens tornar?

O protecionismo excessivo pode parecer-nos uma manta confortável, um aconchego, um ninho em que nos mantemos com os filhos. Pode ser agradável aos pais, pode também ser agradável aos filhos, manter-se nesse limbo durante a idade adulta, sem nunca ter realmente a independência e autonomia desejada. Talvez chegue um momento em que os pais se apercebem disso, tarde demais, quando na velhice lhes é difícil o encargo do filho, que deveria agora cuidar deles. Ou os filhos se apercebam tarde demais, quando se descobriram com a vida perdida entre as mãos. Talvez seja por isso que haja quem parta os pratos todos de uma só vez, ou outros o partam só no final, quando deixam os pais no hospital abandonados. Porque quando ouvimos as notícias nunca sabemos as histórias que estão por detrás.

O cinema  mostrou-nos algumas faces deste drama em “O Clube dos poetas mortos” ou até mais recentemente na literatura, com Isabela Figueiredo e A Gorda e Ainda bem que a minha mãe morreu, de Jeannette McCurdy.

No meio disto tudo há os outros, que estão a ler este texto e vêm memórias avivadas com tristeza, mas que encontraram os meios para serem eles próprios, terem as suas escolhas, a sua vida. Há sempre um caminho, para que situação for. Caminho que deve ser escolhido por quem caminha.

Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do Novo Acordo Ortográfico
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