A poucas semanas do célebre 7 de outubro, o mundo assistiu a um evento que parece ter saído de um filme do 007. Um conjunto de pagers e walkie-talkies explodiu. Na verdade, não parece muito diferente do que o que James Bond poderia ter feito numa das suas séries de lutas contra inimigos. O problema é que, na realidade, as consequências podem ser de vida ou morte, até para inocentes, como se viu para as 32 pessoas mortas, entre as quais duas crianças. Este ataque, no entanto, é preciso reconhecer, é um marco e demonstra que até os equipamentos mais «básicos» podem ser armas ao serviço do terrorismo.
A linha definidora de o que é, ou não, terrorismo é muito ténue e pode respeitar mais a objetivos políticos do que uma simples análise neutra possa sugerir. E se é verdade que, entre os objetivos do terrorismo, está a difusão de sentimentos de medo que possam ser usados para criar instabilidade, subversão de uma determinada ordem estabelecida ou até criar condições para a cedência, por parte do grupo visado, relativamente a determinados fins, também é verdade que quem é terrorista e que ações configuram terrorismo não reúne consenso.
Uma das primeiras premissas é que ações terroristas são executadas por grupos com objetivos que podem ser políticos, religiosos, ideológicos, entre outros (também terrorismo ambiental existe). Por exemplo, o célebre regicídio de D. Carlos e do príncipe herdeiro é um exemplo de um ato terrorista. Em Espanha, as ações da ETA foram, na sua maioria, categorizadas como terrorismo. Os casos que permitem exemplificar o que é o terrorismo são abundantes.
Contudo, surgem vários problemas com alguns dos grupos ou personagens que são exemplificativos de que a classificação de terrorismo depende mais de quem tem o poder para nomear esse conjunto de atos do que dos atos em si. Por outras palavras, o termo terrorismo, muitas vezes, é aplicado em virtude de motivações políticas.
Quando pensamos em Nelson Mandela, ocorre-nos o Nobel da Paz e toda a sua aura (justa) de resistente contra o opressor regime de apartheid. O seu partido, ANC, inclusive, já forneceu diferentes presidentes à África do Sul, incluindo ele mesmo. Porém, até 2008, Nelson Mandela ainda constava na lista de pessoas consideradas terroristas por parte dos EUA. Durante a Guerra Colonial, o governo português considerava o MPLA, a FRELIMO ou o PAIGC como grupos terroristas, os quais lideraram, mais tarde, politicamente Angola, Moçambique ou Guiné-Bissau no período pós-independência. E o mesmo aconteceu com todos os outros movimentos de libertação.
Para conseguirmos entender o porquê de o Hamas existir ou dos sucessivos ataques do Hezbollah é necessário ir à raiz do problema, sob pena de as conclusões retiradas serem incorretas.
Primeiramente, o Hezbollah é um partido político e parte do apoio que recebe da população vem da sua rede de welfare, como escolas e bolsas de estudo, hospitais e clínicas, entre outros, num país onde o governo central não consegue socorrer a sua população. Ou seja, uma organização política que se apresenta a eleições, que tem uma base eleitoral, representação política na Assembleia Nacional Libanesa e é fornecedora de serviços sociais que, na maioria dos países, são assegurados pelos governos. Podemos discordar quanto às ações desta organização, mas precisamos distinguir este partido de um grupo escondido nas montanhas, como aconteceu como a Al-Qaeda.
O Hezbollah surgiu no seguimento de uma invasão do Líbano (e ocupação do Sul), por parte de Israel em 1982. O objetivo passava por estabelecer um governo mais favorável aos interesses de Israel, enquanto procurava eliminar a OLP (Organização para a Libertação da Palestina). Este partido foi ganhando popularidade ao longo do tempo, sobretudo após as suas vitórias contra Israel em 2000 e 2006.
Mais uma vez, concorde-se ou não com as práticas do Hezbollah, este é um produto de uma política externa israelita que consistentemente viola o direito internacional ou os direitos humanos mais elementares, e a sua razão de existência está ligada à causa palestiniana. Não se trata de fazer a apologia de uma organização ou de minimizar as consequências dos seus atos — que os EUA catalogam como terrorista e a UE só classifica como terrorista o braço armado do Hezbollah — mas se não entendermos o que está em causa num conflito, facilmente caímos no erro de aceitar qualquer narrativa simplista.
Toda este aparato desencadeado pelas explosões dos pagers e walkie-talkies perde a sua aura de espetacularidade se, em vez de Israel, tivesse sido a Rússia ou o Irão a fazerem essa operação. Se fosse a Rússia a bombardear edifícios na Moldávia para matar um líder ou embaixador político, como Israel faz continuadamente no Líbano, Síria, Iraque e até no Irão, toda a sagacidade atribuída aos ataques se perderia. Seguramente que num destes cenários, a condenação internacional seria rápida.
Por cada vizinho, amigo, irmão, pai ou mãe mortos gratuitamente por um regime sionista hediondo, em quantas pessoas será semeado o desejo de vingança?