De volta aos 15 (18)

Uma série juvenil produzida pela Netflix com base nos anos 2000, protagonizada por Maisa Silva representando a jovem Anita de 15 anos e na última temporada com 18 anos. A atriz Camila Queiroz representa a versão de Anita no futuro, já com 30 anos. Há obviamente uma inspiração, inclusivamente mencionada na última temporada, no filme protagonizado por Jennifer Garner “de repente 30”, em que ela entra num armário com 13 anos e acorda subitamente numa nova versão de si mesma, com 30 anos e bem-sucedida profissionalmente. 

De volta aos 15, é uma série que representa a adolescência dos jovens nascidos nos anos 90. Até agora já tivemos uma grande aposta de representação dos anos 80 e 90, mas não tínhamos tido uma aposta nos anos 2000. A chegada da internet, dos primeiros telemóveis, computadores e das primeiras redes sociais são a base desta história. A forma como Anita transita entre o futuro e o passado, é publicando fotografias na rede social “floguinho”.

Em Portugal o que nós tínhamos semelhante a essa plataforma era o Hi5. Há possivelmente algo inspirado também no filme efeito borboleta de 2004, protagonizado por Ashton Kutcher, pois a personagem voltava sempre ao passado para tentar corrigir algo que correu mal. A grande lição desse filme, é que independentemente das voltas que o protagonista fizesse, havia sempre algo para ele, ou para alguém próximo que não corria bem. Deixando assim a mensagem de que precisamos aceitar as coisas más que passamos na vida.

Esse filme tinha uma carga dramática pesada. No entanto, esta série tem muita graça e leveza, apesar de em alguns momentos a personagem sofrer abalos emocionais, tal como a morte prematura do seu pai. Há um núcleo de amigos muito diferente uns dos outros, que ajuda a protagonista a passar por diversas situações.

Dentro deste núcleo há uma abordagem a questões de sexualidade, não só de relacionamento entre pessoas do mesmo sexo, mas também de transição de sexo. Isto acontece com o seu melhor amigo César, que, mais tarde, será Camila. A forma como alguém da categoria LGBTQ+ passou a entender a sua grande questão sem que ainda se falasse abertamente sobre este tema na época é muito interessante. Desmistificando aqui também um pouco a ideia de que isto é uma crença que é “plantada” em alguém. Há algo muito bem caracterizado que torna a série muito especial e nostálgica, ela recria uma geração que teve algo que nenhuma outra geração provavelmente algum dia terá, conhecer os dois mundos como ninguém. O mundo antes e pós a internet.

Claro que as gerações anteriores aos nascidos em 90, também tem redes sociais e vivem muito reféns da tecnologia, mas a geração 90 não foi propriamente uma mera testemunha do crescimento tecnológico. Isto se deve a porque viveram a sua infância sem internet e a sua adolescência já entrelaçados com uma certa obsessão em ser popular numa página de Internet e a fortalecer ou até construir laços a partir do virtual. Somos a geração que entende o mundo atual, porque, de certa forma, fomos a cobaia da experiência do efeito da Internet no ser humano.

Esta série demonstra, de uma forma cómica, o processo da mudança mais importante da nossa história, a da revolução tecnológica. A personagem Anita, representa exatamente aquilo que a geração 90 foi, adolescentes com bases semelhantes aos seus antepassados, trazidas da infância, mas que viveram grandes dilemas e conflitos internos por todas as portas que a Internet abriu.

Na verdade, o grupo de amigos desta série demonstra a nossa grande controvérsia, há inclusive um episódio que passa a música “tô nem aí” de Luka numa festa de aniversário. Esta música é o espelho dessa controvérsia, a cantora fala de algo que supostamente não importa, quando, na verdade, tem até uma música inteira que fala de todas as coisas que “ela fez questão de apagar”. Nós apagamos da internet todos os registos da nossa adolescência, mas eles vivem em nós, e apesar de termos vergonha, vivemos toda essa transformação de tendências, fenómenos e novidades com muita intensidade. De volta aos 15, fala sobre essa intensidade que foi experienciada sem nenhum manual de instruções por adolescentes e que ficou marcada por toda uma geração.

Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do Novo Acordo Ortográfico

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