Gosto muito de ler e acompanhar blogs e livros de pessoas que viajam pelo mundo. Uns fazem disso vida, outros definem missões e partem para concretizar algum sonho ou vontade. O que me atrai a ler este tipo de relatos, para além da partilha de informação, é o desvendar das motivações das pessoas e sentir que ao ler aquelas palavras estou também eu, a viajar por aquelas paragens. Alguns lugares gostaria mesmo de conhecer, outros nem tanto, mas isso não quer dizer que não goste de saber mais sobre eles ou aprender.
Numa destas leituras, deparei-me com um texto de uma viajante que estava muito indignada com a humanidade no geral. No momento do texto estava doente, bastante pelo que me pareceu, num comboio algures na Mongólia (ou algo similar) confinada a um espaço minúsculo, partilhado e sem assistência médica.
No meio do delírio (foi assim que interpretei o desabafo dela), insurgia-se contra as pessoas que viajam pelo mundo sem conhecer verdadeiramente o mundo, porque sim… espantem-se: só se conhecem verdadeiramente os sítios a viver com os locais, a dormir nas suas casas, a comer da sua comida e “viver” a sua vida. E que portanto, a maioria das pessoas que viajam não podem definir o que fazem por viajar.
E que ela ali confinada naquele espaço estava a passar as provações que passam as pessoas que viajam por aquelas paragens sem grandes condições, sem hipótese de ter acesso a medicação para se tratar, a respirar e partilhar o espaço com os “locais”. Só quando se viaja de mochila às costas é que se conhecem as coisas, é um exercício de desapego (concordo), muito exigente fisicamente mas que permite uma maior interação com as populações locais e até mesmo entre outros viajantes nas mesmas condições. (Tudo certo, até este ponto)
Depois desta demonstração de coragem da parte dela e da partilha de dificuldades, começou a lançar farpas para as pessoas que viajam com tudo comprado e que ficam em resorts de luxo e que isso é tudo muito confortável mas não é real. E se é para isso, mais vale não saírem de casa, e que viajar é isto, sair de pé no chão e mochila às costas, interagir com as pessoas que são dos sítios e fazer o mesmo que elas fazem. Tudo isto dito de uma forma tão agressiva e com tanta raiva, que parecia que as pessoas que viajam para resorts de luxo não o merecem!
Não merecem dizer que conhecem a Tailândia, o Quénia, a Mongólia, a Colômbia, o Alaska sem se terem enfiado numa cabana ou na casa de alguém que por lá habite ou sem circularem num autocarro podre por uma escarpa no Peru. Como se a opção do conforto fosse uma punição e não uma bênção!
Claro que depende sempre da perspetiva, e também ela não sabe o contexto que leva as pessoas a optarem por ir para resorts de luxo em vez de ficarem numa palhota no meio do nada a fazer uma fogueirinha com as gentes da terra. Nem toda a gente quer ou tem interesse em fazer as coisas como ela faz. Algumas pessoas juntam com sacrifício e esforço o dinheiro para irem relaxar para um resort de luxo na Tanzânia sem sentirem necessidade de se terem de enfiar no meio do mato.
Cada um viaja da forma que quer e como quer, não existem certos e errados. Muitas vezes existem possibilidades e momentos que se aproveitam, de acordo com o que é melhor para cada um. Para se viajar não deveriam existir fundamentalismos associados, é uma escolha pessoal e é feita de acordo com esse pressuposto.
Foi ela que escolheu estar naquelas circunstâncias e isso para ela enriquece a experiência, para outras pessoas estarem a baloiçar num bungalow nas Maldivas é a maior riqueza que poderão ter numa viagem, só resta respeitar e não tentar impingir a nossa forma de ver o mundo aos outros.