1965.
Vinte e seis anos depois, na festa de final de ano de Inglês na 4ª classe, cantaríamos algumas canções de Música no Coração. A Dulce – a professora – sabia os tempos da cassete em que cada música começava e, na garagem que ocupava grande parte do piso térreo do Externato e que nos finais de ano fazia de “salão de festas” (no período escolar era “sala de convívio”), tapou com um pano o ecrã da televisão fazendo vibrar, com um fastforward ou um rewind que hoje nos parecem do Jurássico, as notas de Do Re Mi, The Sound of Music ou So Long, Farewell. Situo assim nos nove-dez anos a primeira vez que vi Música no Coração. Não teria ficado gravado em mim de forma tão indelével se o tivesse visto mais tarde… mas foi mais tarde me estreei com Dr. Jivago, sem compreender algo para além da beleza de Julie Christie, da tristeza de Omar Shariff, das paisagens de cortar a respiração, do prazer em escutar o Tema de Lara, e de, desde então, ter começado a cultivar o desejo, que ainda hoje perdura, de viajar no transiberiano.
Os filmes coincidem no ano – 1965 – e repartiram os óscares: cinco para cada um. Música no Coração levou os principais (Filme e Realização).
Revi-os mais tarde e o gosto em compreender e importância histórica da Revolução Russa quando a estudei no nono ano, foi o mesmo que me fez perceber as razões para a fuga da família Von Trapp.
Duas histórias de amor intemporais, duas bandas sonoras de cortar a respiração, dois cenários idílicos, duas ideologias loucas, dois exemplos em como “O Homem é o Homem e a sua circunstância”[1]… e dois finais.
A satisfação com que revisito estas duas histórias leva-me a tomá-las como obrigatórias para um apreciador da 7ª Arte. Contribuíram, como poucas, para fazer crescer o meu amor pelo Cinema: pelo momento em que as vi mas também pelo que cada uma oferece…
Como ficar indiferente ao som da balalaika a vibrar o Tema de Lara, uma das mais belas composições alguma vez feitas para cinema? Como não cantarolar cada trecho com que Maria e as crianças convertem o coração do Capitão? Como ficar indiferente aos olhos marejados de lágrimas de Jivago, médico e poeta, dividido entre Tonya, sua mulher, e Lara, a quem ama? Como não querer ir imediatamente a Salzburgo, aos “últimos anos dourados da década de trinta”, correr a cantar por aquelas ruas (dispensando o traje de cortinas velhas)? Como não ficar apaixonado pelo “Palácio de Gelo” onde Lara e Jivago eternizaram o seu amor? E como não querer dar dois murros nos cornos de Franz, o mordomo, e de Rolf, o carteiro, quando este se põe a apitar num fanatismo histérico?… Em resumo: como não gostar destes filmes? É que não consigo saturar-me de nenhum deles! Não será esta uma marca de qualidade superior a quaisquer prémios, críticas ou receitas de bilheteira?
Dos dois prefiro um.
[1] Ortega Y Gasset
Eu nem as roupas feitas de cortinas dispenso. Já perdi a conta de quantas vezes já (re)vi este filme! Mas confesso que nunca vi o Dr. Jivago… terei de corrigir essa lacuna! xD
Como filmes, não têm muitas semelhanças além do ano e de terem competido nos óscares. Por razões diferentes, gosto muito dos dois (mesmo muito). Quando vires o Dr. Jivago logo me dizes o que achaste 🙂