Novas tradições de Natal

Tudo começou com uma ideia: e se decorássemos uma árvore de Natal na entrada do prédio?

A ideia concretizou-se numa carta, inserida num bonito envelope vermelho.  As mensageiras da boa notícia, duas meninas, distribuíram-nas, entregando-as em mão, correndo todas as 13 portas do prédio e partilhando o seu entusiasmo.

Estava fixado o evento:

Data: 1 Dez, 15:00.

Local: átrio do prédio

Ao longo dos dias que o antecederam, foram-se acumulando, na casa das meninas, todas as bolas, anjos, fitas e demais enfeites natalícios, trazidos pelas mãos dos vizinhos. Pouco a pouco, o sonho ganhava corpo, projetava-se em brilhantes detalhes de cor e forma. Os dias corriam decrescentes no calendário, enquanto os adornos se avolumavam nos sacos. Como ideias boas puxam boas ideias, entre os convivas alguém se lembrou de levar umas caipirinhas. Caipirinhas puxam aperitivos, atrás destes vieram os bolos, os sumos, os chocolates. Veio um vinho do Porto.

E à hora marcada, numa tarde de feriado, fria e chuvosa, as portas de cada um foram-se abrindo. Deixaram-se para trás as tristezas das notícias, as ânsias dos números, o desconhecimento do futuro próximo. Para trás ficou também a tarde de sofá e mantinha e a preguiça boa que nos assolava. Alguém faz a corrida às campainhas: já cá estamos. Elevadores inquietos num sobe e desce, uns antes, outros depois. Aos poucos, grande parte dos condóminos (poderíamos dizer que houve quórum) estava presente, e mesmo aqueles que por uma razão ou outra não puderam estar, participaram ainda assim com dádiva de ornamento.

Fazer uma árvore é um ritual. As meninas trouxeram a árvore e com a ajuda de todos, em breve a mesma estava montada. Os ramos iam-se compondo, abrindo as hastes, desencontrando-as dos contíguos. A pouco e pouco, abriam-se as ofertas dos vizinhos, embaladas ainda em caixas, a que se juntaram outras peças personalizadas ou pessoais. Bolas baças, brilhantes, de cores e tamanhos diversificados, anjos e duendes, fitas brilhantes ou de corações foram-se distribuindo, na sua diversidade, pelos ramos disponíveis. Para finalizar, luzes que brilhavam.

Víamos a chuva lá fora. Avistávamos alguns transeuntes, que através da transparência dos vidros, se apercebiam da azáfama, e sorriam. Uma ideia tão simples e, afinal, tão reconfortante. Riamo-nos, observando os vizinhos da rua que passavam, questionando-nos se seríamos exemplo contagioso. Comentámos as decorações luminosas de varandas próximas. Alguém perguntou se no dia seguinte ainda lá estaria tudo, ou se, contra todo o espírito natalício alguém levaria adornos. Gargalhámos muito, quando alguém, a brincar, expressou um voto muito pouco natalício:  vamos causar inveja aos outros vizinhos. Inveja da boa, claro.

Quando se fala em condomínio, para a maioria das pessoas, é como falar em reuniões desinteressantes e obrigações, ou pior, em discussões. Talvez por isso a exclamação quando comunicamos o evento a terceiros: mas dão-se todos bem? Mas nunca tiveram problemas? São as reações mais comuns. Até hoje, os assuntos que houve foram resolvidos a bem, e posso dizer que há, entre todos, uma fluidez de sorrisos. Contudo, nesse dia, não havia pontos na agenda, a conversa era livre, e houve gargalhadas, brincadeiras, provocações e partilhas. Coisas nossas, de quem se cruza na escada ou no elevador, carregados de sacos ou urgências de tempo. Mas não nesse dia, onde a palavra se espraiou sem tempo, no simples prazer do convívio.

As gulosices foram desaparecendo, entre conversas e risos. Vizinhos que chegavam, vizinhos que saiam, a cada nova composição, uma foto. Para comemorar o bom ambiente, abriu-se um Porto de edição especial, 1982.

Acordámos (e se houvesse acta, escrevê-lo-íamos) que o faríamos todos os anos.

Porque às vezes é importante criar novas tradições.

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