Recordo-me há muitos anos, numa hora tardia, quase escandalosa para este tipo de banquetes, ter vontade de comer algo que me desse prazer. Que tivesse o retorno imediato de uma companhia satisfatória e reconfortante como um prato de batatas fritas ou de grão com enchidos.
Poderiam bater as 23h ou quase meia-noite, não me impedia de meter mãos no tacho e cozinhar um tão simples, porém, divinal prato quente e substancial.
Antes que me perguntem, partilho desde já os ingredientes e modo de preparação, para que até os menos abençoados na cozinha possam gabar-se de elaborar um prato que facilmente se tornará num viciante sucesso.
Ingredientes:
- 2 latas grandes de grão-de-bico
- 1 chouriço vermelho
- 1 farinheira
- 1 chouriço de cebola de Ponte de Lima
- 1 bacon
- 1 cebola média
- 4/5 dentes de alho
- 1/2 folhas de louro
- Paprika q.b.
- Azeite
Modo de preparação:
Num tacho fazer o refogado com a cebola e alho, apenas com uma camada fina de azeite até a cebola, cortada em meias luas ficar vidrada e o alho grosseiramente laminado ganhar cor.
Assim que estiver no ponto desejado, reservar e adicionar ao tacho água suficiente para cozer os enchidos e o bacon. Primeiro colocar o chouriço vermelho e bacon, e adicionar posteriormente o chouriço de cebola e finalmente a farinheira.
Assim que os enchidos estiverem cozinhados, adicionar o grão escorrido bem como a paprika a gosto e o louro. Certificar-se que o grão e os enchidos ficam inicialmente cobertos com líquido.
Deixar em lume médio/brando, tapado, até o grão cozinhar e o caldo apurar.
Uns minutos antes de desligar o lume, adicionar o refogado e mexer.
Poderá ser servido com arroz branco, ou simplesmente o grão com os enchidos.
Devo confessar que há alguns anos que não cozinho esta iguaria, a meu ver uma delícia dos deuses, pois o sobrepeso e questões gástricas me obrigam a alguma contenção. Sendo que, de quando em vez, piso a linha dessa mesma disciplina em nome de um prazer fortuito.
Sempre que preparava esta iguaria, debaixo do mesmo teto que os meus pais, fazia-o clandestinamente, com o cuidado de quem tenta passar despercebido de um crime acabado de cometer.
O momento da refeição é oportunamente o de reunião, convívio e prazer. Com família e amigos. Em minha casa, não era exceção. No entanto, creio que inconscientemente imaginava, talvez com alguma razão, que estava a cometer o crime da gula a horas perfeitamente impróprias. Era um momento solitário em que procurava satisfação fácil e imediata. E a comida pode ser isso mesmo: a amante ideal.
Esta história é apenas uma de muitas outras a que poderia associar um prato a uma memória. Memória essa que desperta reações olfativas e gostativas. Não é por acaso que por vezes provamos um prato, que possamos já ter comido no passado, e este nos leva a uma viagem ao passado.
Um prato pode levar-nos a um momento com a nossa mãe ou pai. A nossa avó ou avô. Ou outra pessoa qualquer que nos foi ou é especial. A comida pode ser um bilhete que nos dá o direito privilegiado de viajar para um lugar físico e/ou temporal ao qual queremos regressar.
Por outro lado, pode ser uma forma por vezes inconsciente de preenchermos um vazio que não conseguimos identificar. Mas que interessa identificar o vazio se acabamos por sentir uma completude tola e efémera, um quase-orgasmo com aquele prato que tem os minutos contados?
Perdoa-se o mal que faz pelo bem que sabe.