O sofisma grego

Toda a discussão a que assistimos nos últimos meses sobre o “problema” da Grécia é um sofisma. O irascível senhor Schäuble, ministro das Finanças alemão, a baralhada senhora Lagarde, presidente do FMI, o empertigado senhor Dijsselbloem, presidente do Eurogrupo, o senhor Donald Tusk, presidente do Conselho Europeu, entre muitos outros governantes de países europeus, nos quais os governantes portugueses fazem o estouvado papel de lebres, querem-nos convencer que o contencioso com a Grécia se centra no desacordo sobre mais (ou menos) medidas de austeridade sobre o povo grego. É um argumento falso. E o pior é que todas estas aventesmas sabem bem que estão a representar uma comédia que nos pode levar a uma tragédia.

O “problema” grego tem um antecedente remoto que foi varrido para debaixo do tapete, mas que é politica e eticamente relevante: foram os amigos políticos dos actuais carrascos, de Merkel e Schäuble, de Lagarde, de Rajoy e Passos Coelho – o partido grego Nova Democracia -, com a ajuda do banco Goldman Sachs, onde Mario Draghi, actual presidente de BCE, foi vice-presidente, que maquilharam as contas públicas da Grécia, nomeadamente a dívida externa, de modo a que os gregos pudessem entrar na moeda única. Este é o pecado original da actual situação em que os falcões de hoje são os responsáveis directos, nalguns casos, ou cúmplices, noutros. Desavergonhadamente e paradoxalmente é esse partido, a Nova Democracia, que estes senhores da guerra querem, de novo, a chefiar o governo grego. Com os seus amigos políticos, a espoliação do povo grego, até limites inimagináveis, estaria assegurada.

Depois vem o antecedente próximo. Sob a batuta da Alemanha, a troika aplicou na Grécia, nos últimos 5 anos, como se fosse um laboratório, medidas desastrosas de austeridade, as quais multiplicaram por cem as dificuldades económicas e financeiras e arrasaram socialmente o país, colocando-o no circulo vicioso de precisar de empréstimos externos, para depois sacrificar o povo para os pagar nas datas aprazadas e com juros. Esta receita alemã provocou uma contracção de 25% do PIB, desemprego acima dos 30%, divida externa astronómica. Em linguagem comum: fome, sem-abrigos, farmácias sem medicamentos, hospitais sem dinheiro, escolas paralisadas, suicídios e muito mais. Em suma, um país em estado de guerra, destruído às mãos da troika, Merkel e Schäuble, de Draghi e Lagarde com a cumplicidade da Nova Democracia e do PASOK.

Aqui chegados, neste ano de 2015, a Grécia para se manter no Euro e na União Europeia precisava de um tratamento especial: um conjunto de medidas que estimulassem o crescimento económico e o emprego, mas, sobretudo, uma renegociação profunda da divida externa, facilitada pelo facto dos principais credores serem públicos e não bancos privados. A vitória do Syriza nas últimas eleições (resultado da obsessão alemão pela austeridade e pelo empobrecimento dos povos do sul da Europa) podia ter sido o sinal de alarme que, sem ninguém perder a face, levaria a que se resolvesse o “problema” grego. Não foi resolvido (não será resolvido) por razões políticas e ideológicas. Os partidos que compõem o governo da Grécia não fazem parte da pandilha dos amigos políticos dos donos da União Europeia.

Nada de essencial se discutiu nos últimos 4 meses. As aparências tomaram conta do debate. Os falcões dizem que o povo grego quer viver à custa “de dinheiros alheios”, como se até aqui não tivesse pago tudo com suor, sangue e lágrimas. Os governos europeus (e as suas submissas e reverentes nomenclaturas) estão apenas concentrados nos efeitos eleitorais que podiam provocar, nos seus países, uma “cedência” ao actual governo grego, o qual nada tem a ver com o descalabro em que a Grécia se encontra. Na defesa de interesses políticos comezinhos (a sua própria sobrevivência política), estão a pôr em causa o Euro, a União Europeia e a paz na Europa.

Mesmo que a Grécia permaneça no Euro, depois desta comédia montada pela Alemanha (com a conivência de quase todos os governos da “união Europeia”), nos últimos 4 meses, o “problema” grego só tem uma solução política: só se resolve com uma profunda renegociação da dívida, como o actual governo já propôs: pagamentos em função da riqueza criada, em simultâneo com um conjunto de medidas que estimulem a procura interna, o crescimento económico e o emprego. Tudo o que não passar por aqui é conversa fiada de quem quer tapar o sol com uma peneira.

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