Terroristas: loucos ou produtos da loucura?

“O terrorismo fundamentalista é fruto de grave miséria espiritual, à qual está frequentemente ligada também uma pobreza social.” As palavras são do Papa Francisco e remetem-nos para o cenário político e histórico que deu origem à formação de grupos terroristas. De facto, se olharmos para os autores dos atentados como meros loucos, estaremos a ignorar a raiz do problema: falhas na educação, lacunas na economia e desrespeito pela democracia. Os terroristas não nascem loucos, são, sim, produto de um sistema louco, repleto de fendas.

Um breve olhar sobre artigos de jornais e papers mostra que vários especialistas na análise do terrorismo não acreditam no perfil de psicopata e de bandido que, comummente, fica associado aos autores dos atentados fundamentalistas. Na verdade, os atacantes são, na generalidade, tímidos, introvertidos e não violentos. “A única anormalidade no perfil psicológico do terrorista suicida parece ser uma falta de medo na hora do ataque”, afirma o psicólogo israelita Ariel Merari.

Então, como é que o fanatismo fica implantado na mente destes homens e mulheres? A razão mais imediata é política: “ao deixarmos a Síria e o Iraque transformarem-se em selvas sem lei, ajudámos a criar um monstro: o Daesh”, escrevia-se na Courrier Internacional de fevereiro de 2016.

Num dossier dedicado ao autoproclamado Estado Islâmico, a revista explicava, através de textos do jornalista Hussein Abdul Hussein, que os sunitas iraquianos dirigentes do Daesh sobreviveram a guerras, à pobreza, ao desemprego e à ditadura de Saddam. Em 2003, apenas os xiitas tiveram direito à liberdade prometida pelos Estados Unidos da América. No mesmo ano, os sunitas foram falsamente acusados de serem membros do Partido Baas. Assim, sunitas e partidários de Saddam foram esmagados pelos xiitas, sempre com o apoio dos norte-americanos. Sentindo-se enganados, deram início ao “califado”. Daí ouvirmos tantas vezes a frase “Vocês provocaram a guerra e a morte nos nossos países, agora irão sofrer as consequências.”

Deste modo, quando falamos de homens e mulheres que se alistam a grupos terroristas, estamos a referir-nos a pessoas com baixa autoestima. Sem perspetivas de futuro em regiões devastadas pela guerra, ficam vulneráveis a vozes carismáticas que lhes prometem o paraíso, após entregarem os seus corpos e os corpos dos infiéis. E é assim que os grupos conseguem atingir três objetivos essenciais: obter cobertura mediática que atribui espetacularidade à sua causa; ganhar a atenção do público, para alcançarem mais fiéis e expandirem os seus ideais; e, claro, combaterem aqueles que consideram ser “o inimigo” (um governo, uma nação, uma etnia ou os ideais da civilização ocidental).

São indivíduos que acreditam que agem em prol da “causa certa”, que vincam a dicotomia nós/vocês. Contudo, não nos podemos esquecer que também Bush fez entrar o ideal do “nós contra eles” no nosso imaginário. Não podemos ignorar que deixámos “a guerra contra o terrorismo” acontecer.

Temos que começar a falar num “nós” uno e a dar alternativas institucionais, democráticas, económicas, educacionais e psicológicas que procurem remediar as consequências terríveis de um passado de enganos. Para Abdul Hussein, “só assim o Médio Oriente teria uma oportunidade para começar a viver em paz e para deixar o mundo viver e paz”. Nunca é demais relembrar: primeiro, mudam-se as mentes, depois muda-se o mundo. A primeira revolução é sempre a intelectual. Para o bem e para o mal.

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