“Quem sou eu? E como acabará esta história?
O sol já se levantou e sento-me junto a uma janela que se embaciou com o bafo de uma vida passada.”
Aos vinte anos, pouco mais somos do que o anteprojecto da pessoa na qual viremos a estabilizar. Um fugaz romance de Verão no final do segundo ano de faculdade levou-me a ler Nicholas Sparks: Um Momento Inesquecível primeiro, seguido de O Diário da Nossa Paixão. Era o autor preferido dela e julgo que gostei dos livros por associação ou porque estava apaixonado… não sei bem. Saint-Exupéry ilustrou maravilhosamente em O Principezinho como o significado que as coisas têm para nós difere quando as associamos a alguém que nos cativa, e no entanto… O Diário permaneceu em mim após se desvanecer o sentimento que o trouxe para a minha vida e ter resistido ao crivo de duas releituras, sempre na década dos vinte (curiosamente, além d’O Principezinho, julgo ter sido o único livro que reli duas vezes).
Uma das marcas dos grandes autores é a capacidade para se reinventarem; Nicholas Sparks falhou neste ponto. Os seus livros (pelo menos os seis ou sete que fui lendo na altura) caiam sempre na mesma toada, com os alpendres da Carolina do Norte como pano de fundo para histórias de amor cujos ingredientes repetidos apenas alternavam a ordem pela qual eram adicionados ao enredo. Contudo, isso não retira valor a O Diário da Nossa Paixão, uma belíssima história de amor numa estreia de luxo, cuja originalidade não está na história (as histórias de amor não variam muito para além dos finais) mas na forma de a contar, na construção e marcação do tempo, e na sensibilidade que o autor foi capaz de colocar nas personagens e nas descrições. O amor vivido por Noah e Allie atravessou décadas mas os anos do pós-guerra têm um lugar especial como cenário desta história.
A catalogação da Literatura entre o light e o literário merece uma nota de defesa (e de sacrilégio para alguns): este Diário está entre as grandes obras que li. Por vezes cumpriu a função de desanuviar da experiência que é a leitura de algo marcadamente literário e colocar-me na literatura da vida real, só que com um sublinhado mais bonito do que aquele que a minha visão era capaz de dar na altura à vida que me acontecia. Noutros momentos, O Diário valeu por si só, uma obra diferente de tudo o que li até hoje, e esse mérito não é pequeno, independentemente de o seu autor pouco mais ter feito na vida que me preenchesse (Harper Lee ganhou o Pulitzer com o único livro que publicou em mais de cinquenta anos e não é por isso que deixa de ser reconhecida).
Assim como nos casamentos nos sabe bem o “tira-gostos”, normalmente o sorvete de limão, no meio de um prato de peixe “finérrimo” do qual ninguém se atreve a dizer mal e cuja capacidade para nos saciar é a mesma de uma gota de água no meio do deserto, e de um prato de carne com um nome afrancesado acompanhado por um tomate cherry à deriva no imaculado mar de porcelana circular de que “é suposto” apreciarmos e dizermos bem no final, também me sabe pela vida poder ler O Diário da Nossa Paixão no meio de tantas obras sobrevalorizadas pela História, pelo marketing e pelo medo de parecer mal assumir que um livro como #$! de Ernest Hemingway ou &»? de Herman Hesse estarem entre as obras mais entediantes que me passaram à frente. Afinal, quantas vezes num casamento o sorvete de limão não acaba por ser o melhor que aquela refeição nos ofereceu?