Quem tem de atravessar a ponte 25 de Abril sabe bem que pode ser uma tremenda carga de trabalhos. Com horários idênticos, milhares de pessoas servem-se dessa via para chegarem aos seus destinos no sentido de cumprir a sua actividade profissional. Formam-se filas que embocam no estreitamento que é a portagem. Os que não possuem cartões de acesso rápido são forçados a usar as cabines e nestas estão os funcionários. Pessoas cheias de paciência para uma tarefa tão rotineira quanto aborrecida. Não é para todos.
Um deles destaca-se pela sua assertividade e simpatia. É o senhor Samuel, que, faça chuva ou faça sol, esteja nevoeiro ou luminosidade, haja fila ou nem por isso, tem sempre um sorriso nos lábios e uma palavrinha de incentivo para quem passa na sua caixa. É uma dádiva este senhor! Por muito mau humor ou irritabilidade que a pessoa traga, ele, na sua peculiar maneira de ser, consegue quebrar o gelo e soltar o que de melhor cada um tem. É um anjo sem asas nem auréola, mas tem uma função divina.
Curioso é verificar que, quem o conhece, faz questão de ser atendido por ele, por lhe retribuir os bons modos e a educação que transmite. Afinal, não é mais que ninguém, apenas tem esta maravilhosa característica de se expressar com gosto, de perceber que as tarefas são para serem cumpridas e que quem coloca amor no que faz é sempre bem mais feliz. Talvez seja esta a palavra chave, o combustível que permite aligeirar as mágoas e mostrar que as dores podem ter lados menos perversos. São elas que ensinam o que não se quer e que existe outra via para seguir. A dor até pode ser pedagógica.
Este senhor é um sol contínuo! Sempre bem-disposto e de sorriso natural no rosto, ameniza as dores que cada um leva na bagagem mesmo que estejam bem escondidas. A sua cara ilumina os mais tristes e as suas palavras, sentidas e verdadeiras, são uma escola de vida para os que andam mais distraídos e aborrecidos com tudo. Espalha boas energias e quem é atendido por ele sabe bem como aquele bálsamo funciona. Já o dia corre melhor e tudo é sentido com mais leveza.
Nada sei sobre este senhor a não ser que é a imagem de alegria no trabalho. Terá tido sonhos de grandeza, como qualquer criança, imaginou-se outra coisa qualquer que não portageiro, mas encontrou a sua missão na vida. Costuma-se dizer que se faz o que se pode com aquilo que se tem e ele é a prova desta máxima. O que faz é muito bem feito e o pózinho mágico que espalha funciona o dia inteiro. Quem não comenta que foi atendido por ele e que ficou logo mais bem-disposto? É um remédio perfeito!
Num mundo de gente sorumbática e coberta de apatia, este senhor amoroso faz toda a diferença. É uma vacina contra a indiferença que ilumina as mentes mais tacanhas. A sua voz doce e melodiosa vem sempre carregada de bons conselhos, de palavras que se soltam dum coração puro e pueril. Se houvesse mais gente como este senhor certamente que os dias seriam sempre bem mais leves de serem carregados. Para ele a ponte é apenas o local onde fala com os imensos amigos que vai fazendo diariamente. Nem ele sabe o bem que faz aos outros.
“Que Deus lhe dê a sua bênção” é a frase mais ouvida da sua boca. Mesmo que quem a oiça seja ateu ou agnóstico é sempre uma melodia suave que entra nos ouvidos e enche o peito de satisfação. Há quem lhe responda com um agradecimento, outros com um sorriso ou até mesmo quem lhe atire alguns beijinhos, como fazem as crianças. Ninguém lhe fica indiferente pois tal é impossível. Ele sabe como activar o sentir de cada um.
Fico a pensar como será a sua vida e a sua família. São uns felizardos por terem a sorte e o privilégio de privarem com uma pessoa tão genuína e humana. Já não é jovem, mas isso que importa? A essência nunca se perde e até se burila tão bem que chega a toca na perfeição. Ele está antes duma ponte que faz a ligação entre as duas margens de um rio e a água é o símbolo da vida. Ele sabe navegar nestas correntes, que podem conter tormentas, com fluidez e naturalidade. Que mais há a acrescentar?
É mesmo disto que se trata, de humanidade, aquela palavra que muitos ainda têm uma enorme dificuldade para colocar em prática porque assusta. Ela faz com que se saiba sentir e tanto pode ser a dor como o amor. Para ele é apenas um “Carpe Diem” e siga que há ainda muito amor para distribuir com tickets de portagem que chegam às mãos ávidas de quem os recebe, carregados de sabedoria e um doce e certa magia.