Ainda só li três livros de Afonso Cruz, um deles que não apreciei muito, mas mesmo assim este autor já é um dos meus favoritos, mesmo. Para onde vão os guarda-chuvas e Nem todas as baleias voam são tão fantásticos que nem me lembro de que não adorei A carne de Deus. Aliás, quando penso nesse livro, só me vêm duas sensações: a primeira, de que não estava a adorar, esperava outra coisa, começou como uma leitura esforçada; e a segunda, de que me impressionei positivamente pelas conclusões, quando acabei e pensei nas críticas e no absurdo e ridículo que era muito do que o livro falava, e que acabou por não ser tempo perdido. Hmm. Estranho, porque é que me ficou mais marcada a primeira impressão? Bem, li-o há muito tempo, há quase dez anos, talvez precise de voltar a ele e reler com outro olhar e outra idade.
Adiante.
Há dois anos, Para onde vão os guarda-chuvas (sobre o qual já foi feito um artigo) atraiu-me. Quando li a sinopse, nem recordei que era do mesmo autor de A carne de Deus, e quando reparei isso não me afastou. Decidi voltar a ele. E apaixonei-me, mas assim, mesmo com muita força, ao ponto de querer roubar todo aquele livro para mim, não lhe mudar nenhum ponto, e querer que aquelas ideias tivessem saído de mim. OK… Isto não é amor, é inveja. Pois que seja. Inveja (da boa, porque espero que ele escreva livros encantadores durante muitos anos).
O mesmo se passou com Nem todas as baleias voam. Mas que livro lindo! A ideia que dá mote ao livro, que partiu de uma intenção verdadeira e real da CIA de ganhar a Guerra Fria através da música jazz, é o cenário perfeito para Afonso Cruz brincar com várias personagens, possibilidades e, acima de tudo, belezas. Um amante que perde a amada, um filho que parece perder os pais, pessoas que vêem o que outras não conseguem, dois agentes com um plano, uma prostituta que lê mãos, um livreiro fiel, um escritor misterioso, vizinhos bons, crimes, música, dor. Fogo, é que há tanta beleza neste livro! Frases lindas, teorias e pessoas encantadoras, diálogos e pensamentos subtis e surpreendentes, há o cruel e o triste e o mágico, há várias histórias dentro, e a fusão de tudo não é nada forçada, consegue ter uma harmonia tão, tão perfeita. Como uma música. Sim.
É um livro calmo que mexe tão profundamente connosco que nos torna irrequietos. Pode parecer estranho, mas senti-me mal-disposta depois de ler, como quando comemos muito, como se tivesse devorado coisas a mais para o pensamento.
Este livro não tem nada em comum com Para onde vão os guarda-chuvas – nem a voz, nem o cenário, nem as personagens, temas, nada… Nada, além da forma de escrever, da forma de nos transportar e das ideias originais e fascinantes. Penso que é a forma do autor estar na literatura – não são histórias que esperamos, que já lemos várias vezes partindo de perspectivas diferentes, daquelas que gostamos, que sabemos que a abordagem é original. É um livro calmo que mexe tão profundamente connosco que nos torna irrequietos.. São livros que parecem pequenos mundos.
A boa notícia é que Afonso Cruz já tem vários livros publicados e não parece que vá abrandar, por isso podemos continuar a surpreender-nos e a ver onde nos leva a sua extraordinária inspiração no próximo livro.