As vacas afinal são balofas!

Liberdade, eleições, pensamento, povo, respeito, opções, direitos, obrigações, pluralidade, igualdade, justiça, autodeterminação, Estado de Direito… Algumas das palavras que me ocorrem, quando penso em DEMOCRACIA.

A Revolução de Abril, como muitos chamam à destituição do Estado Novo, resultou de um suposto movimento militar, com fortes motivações sociais e naturalmente políticas. Gritaram-se liberdades, numa alegria que fazia transparecer a esperança, em dias melhores. Finalmente, podiam-se expressar ideias e convicções, sem censura. Finalmente, o paraíso estava em cada cidade, em cada rua, em cada casa, em cada um. Os problemas tinham ficado fechados no armário da ditadura. O país seria de todos, para todos!

Acabariam as fomes, as guerras e as desigualdades. As eleições para a Assembleia Constituinte que ocorreram em 25 de abril de 1975, foram as primeiras livres, com sufrágio universal. O PS ficou em primeiro lugar, o PPD em segundo e o PCP em terceiro. Votaram 91,66 % dos eleitores inscritos. 91,66%, leram bem! Havia vontade de mudar, de participar, de se fazer ouvir. Afinal, a revolução tinha valido a pena.

As filas junto às urnas foram de tal ordem que havia quem partisse, para este dia histórico, de banquinho desdobrável, debaixo do braço, para que as pernas não fraquejassem, nas longas horas de espera. Havia mobilização. Murais, frases motivadoras, acesos discursos. Concordasse-se ou não, com o rumo dos acontecimentos, a verdade é que esta foi uma época de grande empenho político. Havia um conjunto de verdadeiros líderes.

No dia 6 de outubro de 2019, realizaram-se no país, as últimas eleições, para a Assembleia da República. Votaram 48,57 % dos eleitores inscritos. 48,57%, leram bem! Em 44 anos, perdeu-se 43,09% de entusiasmo democrático. À média de quase um ponto percentual por ano de democracia. Para muitos, esta constatação é mera estatística, para mim é um sinal de alerta. Um grito de medo. O espelho da atual democracia.

O que é afinal a politica nos dias de hoje? Um bando de gente que se sabe mexer, a zelar obstinadamente, pelos seus próprios interesses, atropeladores de quem se lhes puser no caminho.

Os animais políticos foram enterrados algures, no caminho desta tal jovem democracia. Restam agora os que usam a política, como alavanca social e económica. Os crimes de colarinho branco, multiplicam-se e acredito, que só saibamos, aquilo que nos querem contar. Seguramente o que conhecemos, é uma ínfima parte de um todo, podre e obscuro que corre, nesses corredores da atual política. Teremos nós os políticos que merecemos?

O que nasceu primeiro? O mau político ou o desinteresse pela política? Que se afastem esses demagogos de sofá, que no conforto o seu Eu, reclamam, dizem mal de tudo e de todos e se referem a tudo isto, com um: Eles (os outros) é que têm a culpa! Para esses, que se demitem de responsabilidades eu digo: ninguém está isento de culpa!

Democracia pressupõe direitos e obrigações. Afinal não foi para isso que se enfeitaram as lapelas, de cravos vermelhos?

A composição da AR é também da responsabilidade de quem vota. Ora, se nem 50% dos eleitores, cumpriram a sua obrigação, que raio de representatividade temos no parlamento? Ao não votar, opta-se pelo silêncio, no momento em que mais podíamos ser ouvidos.

O resultado deste afastamento entre o povo e a política, está à vista. Um Parlamento descolorido, sem garra, perdido entre joguetes de bastidores. Uma oposição, que há muito se esqueceu da sua missão. Um PSD que ganhou eleições, em 2015, coligado com o CDS, mas não conseguiu governar.

Um PS que usou o desnorte dos vencedores e se fez governo, à boleia de um casamento de conveniência. Um PS que, em 2019, ganha de novo, agora, sem maioria absoluta, e que mantém relações pecaminosas, pelas salas do grande circo, em que se transformou o nosso Parlamento. Um PS que viabiliza 5 orçamentos à conta de trocas de favores avulsos.

As legislaturas PS estão “Centenalizadas”. Temos um ministro das finanças, que de forma dissimulada, se tenta colar à imagem de Salazar, como salvador das finanças públicas. Claro, que tudo não passa de uma enorme campanha pessoal, que usa tantas vezes a mentira, para calar, o que não querem que se saiba.

Vende-se a imagem de um país em crescimento, onde existe devolução do poder de compra e onde a carga fiscal baixou, onde há mais emprego e onde a paz social é uma realidade, ainda que beliscada aqui e ali, por uns quantos. Vende-se este tempo de ‘Vacas Balofas’ e pasme-se, há quem compre, por vacas gordas.

Onde anda a oposição? Bem sei que não fácil fazer oposição num país onde tudo corre bem, mas não é o caso de Portugal.

Não, as coisas não estão bem. O endividamento privado disparou, as poupanças das famílias caíram a pique, a carga fiscal está a níveis, nunca vistos, os serviços públicos rebentam, sem conseguir responder às solicitações internas e externas. A saúde e o ensino são espelho do rumo de Portugal.

A obediência a Bruxelas está o rubro!

A opacidade das instituições floresce!

O tal aumento de emprego que atualmente se regista (e que já viveu melhores dias), não é resultado das políticas do governo. É transversal a toda a União Europeia. Quem acredita que o emprego nasce assim, qual cogumelo selvagem? É evidente que as politicas responsáveis por este aumento de emprego, começaram lá mais atrás. E anda assim, dever-se-á retirar desta equação, o emprego precário.

Se houver uma dor de barriga na Europa, Portugal sofrerá uma enorme diarreia e tudo voltará ao ponto onde Passos Coelho agarrou o país.

A oposição é parte de uma democracia saudável. E falo naturalmente, de uma oposição credível. Uma oposição que seja alternativa. Uma oposição com propostas concretas e responsáveis. Sem ela, não haverá pluralidade, não haverá mudança.

Há um adormecimento generalizado. Os partidos que deveriam estar ativos no seu papel de alternância, há muito que foram manietados por António Costa. Reconheçamo-lo. pois, como uma verdadeira raposa velha da política. Reina até a ideia de que os votos noutros partidos, que não o PS, são votos de segunda.

O PCP é um partido que estaria ligado a uma máquina, para se manter vivo, não fosse o SNS, ter as máquinas ainda em funcionamento, já sobejamente ocupadas. Um partido sem a identidade que outrora o definiu. Acredito piamente que ainda recebe votos de uma camada da sociedade que há muito se demitiu de pensar. É partido com fim anunciado.

O CDS, depois de enorme agonia, tenta agora nova vida, mas, enquanto não assumir o seu papel de alternativa à direita, continuará nesta curva descendente. Sim, há portugueses que são de direita. E então? Não são tão válidas as suas ideias e suas posições como quaisquer outras? Não, não temos de pensar todos da mesma forma. E acrescento eu, ainda bem!

Os partidos precisam de identidade e à falta dela surge o populismo. Mais à direita ou mais à esquerda, representa sempre um sinal de alerta.

O BE é um partido com alguns valores individuais, mas que se perde na sua atuação. Berram muito, mas no final viabilizam orçamentos capitalistas. Os partidos de esquerda, é sabido, são contrários à Europa e defendem na sua essência, a saída de Portugal da União Europeia, mas então, como baixam as calças, aquando das votações dos orçamentos? O Centeno deixa de lado uns trocos para os calar e assim consegue ter a aprovação de orçamentos, que pouco mudam da versão original.

Um orçamento que prevê excedente orçamental à conta da enorme carga fiscal. Como é que os partidos de esquerda, alegadamente defensores, dos pobres e oprimidos, permitem tal? Onde está o alívio fiscal prometido na era pós-Troika? É importante registar aqui que falo de impostos diretos e indiretos.

Do PSD sabe-se que já foi governo, já foi alternativa, mas que luta atualmente com querelas internas, que lhe roubaram força e credibilidade. Das eleições saiu mais do mesmo. Sem dúvida, um bónus para o PS.

O circo a que assistimos à volta da tão falada descida do IVA da eletricidade, mostra as posições patéticas assumidas pelo PSD, que espera de quatro, um aconchego do PS. Aliás ideia defendida desde o início por Rui Rio, à qual Luís Monte Negro, candidato derrotado, se opôs desde sempre. Conseguirá o partido voltar a ser coeso?

Sobre o PAN, podia dizer-se que usou descaradamente a bandeira da defesa dos animais e da natureza para chegar à AR e que, na prática, é um partido vazio de conteúdo e mal preparado.

A oposição tornou-se tão desinteressante que até o Partido Livre consegue ser protagonista, no seu desarranjo interno. Há greves. Há manifestações. Há descontentamento social e há muito trabalho para fazer. Assim, os partidos que não estão no governo se entendam e arregacem as mangas.

Um verdadeiro líder nasce líder. Um verdadeiro líder não se fabrica e Portugal, precisa urgentemente de verdadeiros líderes políticos. Caso contrário corremos sérios riscos, de cair numa oligarquia, camuflada de democracia.

Que não nos demitamos, todos, de responsabilidades.

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