Aconteceu, nesta última madrugada de dia 27 para 28 de março, a celebração do cinema e de Hollywood na cerimónia com maior prestígio a nível mundial, os Oscars.
Vou fazer uma breve análise aos pontos positivos e negativos da cerimónia, e falar também de um dos momentos mais chocantes na história desta premiação.
O que não resultou?
Este ano existiram algumas alterações da forma como os Oscars foram apresentados, categorias consideradas “menos apelativas” e “menos importantes” foram filmadas durante a tarde e editadas de forma a encaixarem de uma forma bem mais resumida durante a cerimónia. Acho que não faz qualquer sentido esta escolha, a desculpa dada foi que seria para poupar tempo e tornar a cerimónia mais dinâmica, mas a verdade é que com vários dos segmentos que foram apresentados, claramente, tempo foi coisa que não faltou e estar a menosprezar certos prémios em relação a outros é completamente injusto. O cinema é um trabalho de equipas e as categorias que estão a ser cortadas são pertencentes a pessoas que normalmente não conseguem ter qualquer visibilidade pelo trabalho que fazem, se em cima disso ainda lhes retiramos o pouco estrelato e tempo de antena que eles conseguem ter, acho completamente injustificado.
Outra situação que não resultou na minha opinião, foi o trio de apresentadoras femininas, desde que eliminaram a ideia de ter um só apresentador que os Oscars parecem sempre meio confusos de como vão apresentar a cerimónia. Embora as três comediantes tenham tido várias piadas que funcionaram, nomeadamente Amy Schumer que fez um “roast” fazendo lembrar Ricky Gervais nos “Globos de Ouro”, as dinâmicas não resultaram e pareceu forçado depois ter segmentos individuais para cada uma das três, numa cerimónia que supostamente iria cortar no tempo, e muitas das piadas ficaram mal encaixadas no público e na atmosfera vivida.
Por fim, acho que uma das coisas que menos resultou foi o problema já contínuo, de “forçar a inclusão”. Para além dos vencedores serem todos imensamente previsíveis com a onda de prémios de outras associações, um filme como CODA vencer o maior prémio da noite quando estava apenas nomeado para 3 prémios (tendo os vencido a todos) mostra como talvez o filme tenha ganho pelas razões erradas. Passo a explicar: O filme é bom, tem imensas qualidades e é bem construído, mas é um filme muito “normal” e “seguro”, num qualquer outro ano se procurarmos temos 5 ou 6 filmes iguais a CODA talvez com outro tema, mas que é construído e idealizado da mesma forma. Acho que filmes como “The Power Of The Dog” e “Drive My Car” ficarão na história pela qualidade e acho que CODA vai ficar na história apenas porque ganhou o Oscar.
O que resultou?
Existiram, ainda assim, vários momentos positivos e com elegância desta cerimónia, algo que adorei desde já foi as “mini-reuniões” que provocaram na apresentação de prémios, tivemos Samuel L. Jackson, John Travolta e Uma Thurman numa ótima apresentação a referenciar o clássico Pulp Ficiton, tivemos Jennifer Garner, Elliot Page e J.K. Simmons de Juno; Wesley Snipes e Woody Harrelson de White Man Can’t Jump, e ainda Al Pacino, Robert De Niro e Francis Ford Coppola de The Godfather. Estas reuniões resultaram muito bem e criaram dinâmicas ótimas. Outro aspeto positivo foi precisamente o “celebrar” do cinema, através de montagens sobre 007 e também de “The Godfather” foram dois momentos curtos e singelos, mas que tiveram o seu lugar e funcionaram com o decorrer de tudo o resto. Uma menção para aquele que foi o meu discurso favorito : Troy Kotsur foi brilhante na recepção do prémio e na minha opinião foi o único merecido prémio do filme CODA toda a noite.
O que afinal aconteceu entre Chris Rock e Will Smith? Existem limites para o humor? Existem justificações para a violência?
Esta cerimónia ficará para sempre na história, por uma razão, por um momento chocante que compete com aquele em que anunciaram o vencedor errado há alguns anos atrás.
Caso exista alguém que viva debaixo de alguma pedra e ainda não tenha visto o que aconteceu, passo a explicar:
Na apresentação de um dos prémios, o ator e comediante Chris Rock subiu ao palco e no meio das suas habituais graçolas (que o comediante consegue fazer como poucos, diga-se de passagem) Chris decidiu “brincar” com o aspeto visual de Jada Pinkett Smith que se apresenta careca, devido a um problema de saúde que dá pelo nome de Alopecia e que provoca a queda do cabelo, o ator questionou se ela iria fazer a sequela do filme G.I. Jane, um filme de 1997 em que Demi Moore tem o cabelo rapado. Pode ser necessário contextualizar que há alguns anos atrás quando Chris Rock apresentou os Oscars, Jada Pinkett Smith anunciou que ia boicotar os Oscars porque os nomeados eram todos de cor branca e que na altura Chris referenciou isso dizendo que ela não podia boicotar uma coisa para o qual nem tinha sido convidada, o que criou desde aí uma fricção entre Chris e Will Smith.
Voltando ao presente, após o comentário de Chris, Will Smith (após aparentemente até ter achado piada) levantou-se e deu um estalo a Chris Rock, o clima ficou logo imensamente pesado mas ainda existiam muitas gargalhadas no ar, até porque se tratavam de duas figuras aparentemente amigáveis e do mundo da comédia e muita gente assumiu que era tudo encenado, mas bastaram alguns segundos passarem para Will berrar de forma repetida “Tira o nome da minha mulher da tua boca”, proferindo também um palavrão no processo, o que mostrou que tudo aquilo era real e nada combinado. Chris Rock ficou claramente constrangido mas continuou, tentou usar aquilo como comédia (como sempre faz) e seguiu a apresentação.
Mais tarde Will Smith subiu ao palco para aceitar o prémio de Melhor Ator Principal, e pediu desculpas à Academia e aos outros nomeados pelo sucedido e indicou que a vida por vezes imitava a arte e que ele fazia loucuras por amor e para proteger aqueles que ama.
Eu sou um firme crente que o humor não tem limites, e que podendo existir ou não momentos e plateias mais oportunas que outras, Chris Rock fez apenas uma piada, claro que o facto de ser alusiva a uma doença despoletou um certo mau estar em Jada. Não acho que Will Smith tenha sequer levado a mal a piada em si, o que penso ter acontecido foi um homem a ver como a sua mulher ficou magoada e sentir que tinha que agir, e aí entrou a personalidade mais efusiva e precipitada de Will que já foi demonstrada em outras situações.
Acho, sinceramente, que Will Smith não tem uma justificação para o que fez, foi um ato completamente desnecessário, ele até poderia defender a mulher (e acho muito bem que o faça) mas de uma outra forma e noutro local, não dando um estalo para milhões de pessoas verem e depois ainda gritar com Chris de forma claramente zangada e vingativa. Quando Will subiu ao palco mais tarde tentou justificar o ato e não se dirigiu sequer a Chris Rock, que só por si, penso ter sido uma grande falha do ator. Acho também um pouco insólito como a Academia e todos os presentes aceitaram tudo o que aconteceu e ainda aplaudiram e celebraram com Will mais tarde, não parecendo haver ninguém indignado.
As opiniões vão-se divergir, no entanto, uma coisa é consensual: A noite em que Will Smith venceu o seu único Oscar, não vai ficar marcado porque este venceu um Oscar, e isso é algo que o ator nunca vai conseguir apagar da história.