As eleições Legislativas de 2015 cumpriram-se, após uma campanha que todos concordaremos ter sido original, com pouca densidade ideológica e muito disparate e evidente falta de responsabilidade. Esta nuvem cinzenta que os próprios políticos fizeram surgir pode ensombrar o futuro próximo de Portugal. Mas a cada eleição, em teoria, tudo estará em aberto.
Finda a campanha, esperava-se uma abstenção maior no dia das Eleições, a julgar pelas repetidas manifestações de saturação sobre a nossa vida política, mas ao longo da noite eleitoral confirmou-se um valor acima do das últimas legislativas. Esperava-se ainda maior expressão da desilusão política dos portugueses, mas a expressão do sufrágio foi, afinal, uma vontade, talvez de última hora, de afirmar um resultado que depois se confirmou.
As reações dos Partidos situam-se entre o esperado e o quase surpreendente. Verdadeiramente surpreendentes, apesar disso, foram, na noite eleitoral as opiniões muito denunciadoras da falta de democraticidade que caracteriza uma ala política vasta, que se intitula de Esquerda e, imagine-se, democrata. Fazer contas, sobre a viabilidade parlamentar, sobre a necessária matemática é, obviamente, de relevo. Fazer dessas contas um desígnio nacional, uma escolha, uma opção popular é um exagero que limita muita gente na sua atitude democrática. Factos, então. A coligação Portugal à Frente não atingiu a confortável maioria que a dispensaria de negociar acordos parlamentares ou de legislatura e, não conseguindo maioria, sentirá algumas dificuldades nos próximos tempos. Provavelmente. Mas isso não é certo.
Alguns Partidos de Esquerda, ou quase todos, congregaram em dizer que a Coligação saiu derrotada, por não ter atingido maioria absoluta, mas afinal essa maioria é minoritária na estatística eleitoral em Portugal. A ideia que ontem se ventilou é que agora se ir poder construir uma maioria à esquerda, uma maioria de bloqueio, uma espécie de interpretação enviesada da vontade dos portugueses. Os eleitores votaram mais em Partidos de Eesquerde e isso, segundo eles, significa que pretende o Povo impedir a Coligação Portugal à Frente de Governar. Imagine-se um eleitor que hoje votou num qualquer dos Partidos ditos de Esquerda: votou num, porque um tinha de escolher. Não saberia esse eleitor que a dispersão de votos em tantos Partidos à Esquerda facilitaria, eventualmente, a vitória do outro lado das alas políticas tradicionais, como aconteceu? Se, como dizia Gabriela Canavilhas, Correia de Campos e não sei se outros mais, o Povo escolheu a Esquerda, porque não votou premeditada e com confiança no Partido Socialista? A sua interpretação é outra, porém. É de que o Povo quis castigar a Direita e o PSD em concreto, sendo o maior Partido nessa área política. Eu penso, lamentavelmente, o contrário. Porque, por um lado, ao votar num pequeno Partido de Esquerda, se escolheu não dar uma vitória à Esquerda, mas contrariar, apenas, a sua tradicional forma de votar, no Centro ou à Direita. Por outro lado, a própria existência de inúmeros Partidos à Esquerda denuncia a falta de unidade nessa área política, tanto a nível partidário, como ao nível de quem vota. Este, ou qualquer outro raciocínio não exclui o facto mais evidente da noite das Eleições: a vitória foi entregue à PàF. Se não foi por maioria, foi na mesma, uma vitória.
Interessante e muito perversa a posição do Partido Socialista. O Povo não quis dar a maioria à Direita. E, de novo, até acho que quis. Mas muitos tradicionais eleitores de Centro-direita estão descontentes com todo o programa de austeridade aplicado nestes quatro anos. Como eu próprio e a maioria dos que conheço. E, se assim não tivesse sido, esta coligação podia ter atingido a maior maioria de sempre em Portugal. Tivesse apenas havido uma recuperação bem mais sensível do país, um desemprego a recuar bem depressa e nem os cortes dos últimos anos teriam atingido de forma punitiva, os protagonistas da nossa política deste última Legislatura.
E, como veremos agora, o PS, um Partido que é sempre uma das alternativas mais lógicas, que durante estes anos tentou atingir o Governo cessante com as mais do que evidentes chagas da nossa recente vida social e pessoal? Porque não lhe deu o Povo, em inequívoca expressão eleitoral, o Poder? Parece-me que se configura claro que não foi apenas o passado com um Governo PS que nos trouxe de facto à porta da bancarrota, mas foi, em substância, o perfil e o desempenho do seu líder e do que por este PS foi apresentado aos portugueses.
Foram as tiradas a roçar o anti-democrático de António Costa quando afirmava duas semanas antes do dia das Eleições que iria votar contra tudo o que saísse de um Governo PSD. Vamos ver: isso é expectável de uma Oposição, obviamente. Mas não revelará muita arrogância cega, esquecendo a essência do comportamento democrático, com a nuance chantagista imbuída, afirmando-o à priori, se colocar contra a maioria dos votos? E nessa pegada, seguem-lhe agora, todos à sua esquerda, com as ameaças de todos os chumbos e todos os contras, que já se declararam?
Ponho-me a pensar até que ponto os portugueses não estarão saturados destes comportamentos e posturas, que se acentuam agora mais, no desespero das derrotas verificadas, e terão desviado votos do principal Partido de Esquerda, para algum dos ainda mais pequenos Partidos, da mesma área política.
E o que nos trará agora a política próxima e o futuro Governo? Alguma alteração sensível ao recente passado? Não confio nem um pouco em algum desvio das recentes políticas. Como antes de saber os actuais resultados, já não confiava em alguma distinção sensível e significativa, tivesse ganho o PS de Costa ou, como ganhou, a coligação PSD-CDS. Provavelmente, porque se trata de uma arte de adivinhação de alto risco, os portugueses preferiram a continuidade do já conhecido, que parece, apesar de tudo, começar a mudar para uma realidade ligeiramente melhor, com algum crescimento económico, com alguma recuperação de emprego, do que numa escolha que nos lançasse em nova incerteza, pelas demagógicas promessas ventiladas por Costa.
Mas o significado destas Eleições pode transfigurar-se um pouco, ainda que não em substância, nos próximos meses. O PS hoje apresentou-se como se afinal tivesse ganho, prometendo quase mais acção como Oposição do que um futuro Governo. Costa apareceu em público uma vez mais como sempre o fez, teatral, falso e demagógico. No fundo, ficou com uma vida facilitada, pois nunca lhe será exigido que demonstre o muito que prometeu. Mas fica um subtil sinal de um homem em queda política que falou para dentro do seu Partido, numa declaração de derrotado que pretende dizer “cá estou para tudo, sempre em força, nunca perdedor…”, uma atitude que tem sabor a pouco. Um derrotado a desenvolver uma estratégia de sobrevivência. Hoje, o PS gostou de Costa. Amanhã, a realidade pode bem ser outra. Pode salvar-se num PS com um Soares já muito envelhecido e um Sócrates com reduzida margem de manobra? Mas outros “notáveis” socialistas ainda tentarão, provavelmente, ter uma palavra que mude o que hoje aconteceu. Teremos apenas de esperar para ver. O que for, sempre será revelante para uma Democracia com apenas três Partidos democráticos, e em que o PS democrático e responsável sempre fará falta.
Para mim, o que saiu mais claro destas eleições é o cansaço de muita gente com as políticas de austeridade, apesar de não terem dado uma vitória ao PS. Esse descontentamento teve expressão nos votos mais à esquerda do PS, no Bloco de Esquerda, justamente, e ainda porque, muito marginalmente talvez, alguns eleitores quiseram dar mais um fôlego a uma também marginal tendência de recuperação do país.
Mas há sempre o dia pós-eleições. E esse nos irá trazer de volta à realidade. E esta nos irá confrontar com mais austeridade, ainda a confirmar se mais dura, mas provavelmente menos violenta e destruidora. Ainda assim, teremos alguma austeridade, pelo facto, que me retira qualquer veleidade de contentamento, nos dias de hoje, de continuarmos num sistema monetário insustentável a um país com um Produto tão escasso para as suas necessidades e para os seus compromissos internacionais e que precisava de um crescimento típico de uma economia emergente. Acresce, e não é de menor importância, que tivesse o PS ganho, a mesma austeridade venceria na mesa das decisões governamentais. Há quem duvide, mas a política não é hoje uma questão de fé, exigindo-se, ao invés, muito pragmatismo.
Uma promessa dita em tempo de campanha eleitoral pode até dissipar-se no dia seguinte às mesmas. É mau, porém, que se contradiga de forma radical, o que de bom para o país se afiançou. Pior ainda será que o resultado da acção governativa dos próximos anos seja mais depressivo do que o dos últimos quatro. O que implica que todos nós, eleitores ou não dos actuais vencedores, como dos adversários agora a caminho da Oposição, lhes exijamos muito mais, de forma, diria sem concessões, pois esta Democracia já não se compadece muito mais de aventuras e experiências que nos levem de volta ao fracasso.
Da campanha, muitos escreveram. A mim, confrangeu-me, mas, no fundo, não esperava muito melhor dos actores actuais. Das eleições, esperava este resultado, tais as limitações e disfarçadas mentiras, demagógicas de António Costa. E, ainda, porque parece tornar-se consciente e tacitamente aceite pelos portugueses que a austeridade foi necessária (no que não concordo) e talvez até que, mesmo que mais se imponha, pode verificar-se necessário.
Mas também podemos fazer o exercício, talvez não tão fútil, de imaginar se tivesse ganho o PS, o que hoje diria esperar da Oposição. Nunca o PS aceitaria ouvir do PSD o que hoje referiram várias das suas personalidades, de se opor a tudo o que um Governo PSD-CDS propuser ao país. Não o disse agora, porém, Costa, mas sabemos todos que é o seu estilo e a sua vontade. Que faria o PS se tudo tivesse sido diferente e que exigiria a uma Oposição que reclamaria, legitimamente, de responsável? O sinal de muito pouco espírito democrático vem da não assumpção de derrota clara que sofreu.
Este Domingo todos ganharam, parece. A CDU ganha todas as Eleições, sabemos. Amanhã, só os portugueses têm de ganhar. Ninguém deve esperar menos, desta vez, do que o melhor trabalho de sempre de um Governo, nesta fase. Precisamos todos de melhorar ou mudar de vida, porque a nossa vida é merecedora do melhor, apenas.
Mas, afinal, insisto, quem ganhou mesmo foi a coligação centro-direita. A hoje propalada união de esquerda, contra esse tenebroso direitismo português, não tem qualquer substância. Se é bom ou mau, que assim seja, é outra coisa. Mas é evidentemente bom, para Portugal. Qualquer aliança com um Partido tradicional e assumidamente não democrático, como o PCP, é uma hipótese demasiado terrível de se equacionar. A sua tradição sempre foi amputar a Democracia. Nunca houve no Poder, em qualquer país do Mundo, um Partido Comunista que admitisse a Democracia.
O Bloco de Esquerda nasceu como uma excrescência não democrática do PCP e de outros teoricamente mais extremistas (isto de definir quem é mais, nos extremos é um exercício meramente filosófico) e nunca negou simpatias com Estados em vida marginal neste Mundo, como a Coreia do Norte. Resta o quê ao Partido Socialista? Entregar-se a uma negra aliança contra a vontade dos portugueses, que votaram preferencialmente na Coligação? E assim ser encostado ao lado negativo da política, o lado “não” que a tudo vota não? Não me parece.
Se antes, durante a campanha se dizia contra, tentando no limite angariar votos à sua esquerda, assimilando o lado mais revoltado do panorama político, o PS irá ver-se, a partir do dia seguinte às eleições, agarrado a um consenso que terá de construir com os vencedores. E os vencedores com ele. Mas a força não está do lado de António Costa, que sempre será visto como vencido e sempre sem o conhecimento do que já preparado foi a nível europeu para nós. O próximo Governo terá melhores condições de governação do que à partida parece provável e a força e vontade de o derrubar provavelmente se esfumará.
E a realidade é ainda muito dura: os problemas mais complicados ainda por resolver, como o controlo de uma dívida que disparou em quatro anos, o crescimento ainda incipiente, as Reformas por fazer e pressão da Europa a não afrouxar. Os próximos meses não deverão ser nem muito diferentes dos mais difíceis ,de 2014, antes da campanha que motivou algum aligeiramento da austeridade, nem muito melhores, ditando o ambiente económico e político internacional o destino das tendências políticas dos próximos anos.
Diria, como resumo, deste caldo com alguma conturbação e muito disparate dos últimos meses, que o que mudará mais nos tempos próximos será provavelmente a capacidade do Partido Socialista, agora muito mais diminuída. O problema central, nunca aceite pelo PS, foi a incapacidade de passar por cima de vaidades e primas-donas, e conseguir escolher um líder inteligente e criativo, um democrata que deixasse o Governo e agora a Coligação, sem argumentos e com muito pouca elasticidade política. O PS tem sido uma Oposição desastrada, sem imaginação e sem “alma” que deixou o caminho facilitado aos adversários, do Governo, que se antevia viessem a perder.
Assim, a responsabilidade por ocupação de espaço político, descoberta de soluções fundamentais e implementação de uma mudança definitiva de melhoria para Portugal, é bem maior e quase toda do PSD-CDS e devia ser de quem advogava, a Oposição, a mudança para uma política diferente. E, nestes, do PSD, claramente. Seria triste e imperdoável agora, vermos outra vez o regresso de figuras de má e medíocre memória, e com elas as trapalhadas com que nos presentearam.
Como alguém me disse, desta vez Passos não tem desculpa…
O novo ciclo político a iniciar-se estará entre a continuidade, que de novo muito pouco nos trará, e alguma mudança por força de um equilíbrio diferente no Parlamento, mas talvez, uma vez mais, pelas exigências europeias de afirmação de uma recuperação de Portugal. Não me parece, em termos gerais, que no essencial se possam esperar muitas mudanças, mas elas podem vir também de alguma personalidade diferente a desempenhar uma função chave no futuro Governo. Por vezes as mudanças subtis e menos evidentes deixam mais marcas do que as mais de maior visibilidade. Em 2016 poderemos ter ainda um dado novo: um Presidente com um perfil menos canónico e muito mais interventivo.