A bola de neve da austeridade

Desde o início desta segunda década que em Portugal a palavra austeridade se transformou no bicho papão das famílias portuguesas. Se por motivos pessoais volta e meia cada família institui, voluntariamente, medidas para poupanças monetárias, quer para objetivos novos ou para fazer face a despesas não esperadas, e se essas medidas não têm consequências diretas no Governo do país, quando é o Governo que implementa medidas de austeridade, as famílias portuguesas são consequente e diretamente afetadas, ao grau da sua escala de rendimentos.

Um Governo para equilibrar os gastos e ganhos (advindos essencialmente dos impostos) pode implementar austeridade fiscal mediante um de quatro cenários possíveis, escolhido mediante a situação, o enquadramento económico e os objetivos e prazos que pretende atingir ou que tem mesmo de cumprir (exigências superiores de organismos superiores, como é o caso da União Europeia em Portugal):

Cenário 1- aumentar impostos e cortar gastos – esta situação enfraquece as atividades económicas que se sustentam no apoio do governo. O aumento de impostos retira mais capital da sociedade, especialmente do sector produtivo, que assim já não consegue absorver a mão-de-obra das empresas que desapareceram dado o corte de gastos do governo. Normalmente aumenta o desemprego, porque o setor privado fica com menos capital para contratar, assim como os consumidores perdem poder de compra.

Cenário 2- aumentar impostos e manter os gastos – retira mais capital da sociedade e do setor produtivo privado enquanto que o governo continua a sustentar atividades de empresas ineficientes (que têm o governo como principal ou único cliente), não corrigindo os desequilíbrios económicos a longo prazo.

Cenário 3- manter impostos inalterados e cortar gastos – é uma austeridade fiscal mais eficiente que as formas anteriores. O governo retira a mesma quantidade de bens do setor produtivo da economia, e aumenta a mão-de-obra disponível que pode ou não ser absorvida pelo setor produtivo.

Cenário 4- reduzir impostos e cortar gastos em uma proporção maior que a redução de impostos (cortar mais gastos que impostos) – é a mais equilibrada. A redução de gastos do governo aumenta a mão-de-obra disponível que pode ou não ser absorvida pelo setor produtivo. As empresas produzem de acordo com a mercado poderão ter mais capacidade para contratar novos funcionários, porque a redução de impostos lhe garante mais capital, e mais poder de compra aos consumidores. O setor privado torna-se maior que o setor público.

No início desta segunda década, o Governo, para obter o empréstimo de 78 biliões de euros para fazer face à dívida publica (acumulada num governo com existência de 100 anos e equivalente a cerca 90% do PIB) teve, por imposição, que tomar medidas de austeridade, optando por aumentar os impostos e cortar os gastos.

Desta forma, vimos diminuir o valor líquido no recibo ao fim do mês e vimos aumentar os custos fixos, assim como vimos a extinção de muitos postos de trabalho pela reorganização das empresas ou até pela sua extinção. E assim começou a corrida das bolas de neve individuais resultantes do Produto Pessoal Brutos mensal negativo. E mesmo sendo o homem um animal que tem sobrevivido porque tem a capacidade, na maioria dos casos, de se adaptar e contornar as contingências, mantendo a sua bola de neve na palma da mão ou ou contendo-a para manter a taxa de esforço económico e não ser apanhado na própria avalanche, muitas famílias recorreram a créditos, criando uma barreira de contenção fictícia à sua bola de neve.

Nestes últimos meses, a maior parte das notícias e comentários económicos, noticia que Portugal tem conseguido demonstrar à União Europeia o cumprimento e a viabilidade dos objetivos a que se propôs. Os serviços associados ao turismo, a exportação de produtos, assim como o desenvolvimento de serviços do estado e de empresas particulares (com a muleta dos fundos Europeus entraram 7.5 mil milhões em Portugal em 2018) têm sido o hotspot desta recuperação.

Especialistas defendem que cada ciclo económico dura 7 anos, durante os quais passamos pela fase de crescimento, recessão, depressão e recuperação, após o qual recomeça outro ciclo com uma nova fase de crescimento.

Se o Governo está em recuperação, a barreira fictícia de muitas das famílias cedeu e a bola de neve transformou-se numa avalanche de insolvência pessoal, outras continuam em esforço, somando novas barreiras fictícias de cada vez que a bola avança um pouco mais.

Aos que ousaram descer o precipício e transformaram a bola de neve num pequeno boneco de neve da austeridade, agora basta-lhes o amor:

“(…) Nesta noite branca

Sou um boneco de neve

E tenho a certeza que vou derreter

Quando os teus lábios tocarem nos meus (…)”

P.S. Um doce e quente Natal!

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