À procura da riqueza perdida

Reflexão: eis uma palavra com pertinente aplicabilidade nestes dias de contagem decrescente para receber 2013. Pois é urgente reflectir no seguinte: por ano, e por todo o Mundo, morrem 9 milhões de crianças com idades inferiores a 5 anos. A um ritmo diário, são 25 mil as crianças que padecem, fatalmente, de causas evitáveis.

Quando observada de um ponto de vista humanitário, a estatística é de tal forma avassaladora, que de imediato mobiliza a compaixão alheia. Quando a tragédia humana é nestes termos difundida, e naquele que é um retorcido reflexo de Pavlov, o mais espontâneo instinto é abrir os cordões à bolsa, na sôfrega tentativa de aliviar o sofrimento destas crianças, e o de tantos outros nossos semelhantes, cujas vidas se pautam por outros flagelos como a miséria ou a fome. Até mesmo no mais insensível dos mortais, estatísticas como estas despoletam uma filantropia que, porventura, nos é desde sempre intrínseca.

Ser solidário é um estatuto carimbado de obrigatoriedade, particularmente numa altura em que o Natal ainda está reminiscente. A época festiva é uma combustão para a multiplicação dos pedidos de ajuda, urgem à solidariedade as instituições, apoiadas por celebridades, políticos; entra em acção a responsabilidade social nas organizações. Nas costas de tamanha mobilização, são angariados fundos na ordem dos milhões para erradicar, ou simplesmente diminuir a pobreza, aquela que é a origem primária dos grandes malefícios dos países sub-desenvolvidos.

eG5teDBrMTI=_o_esther-duflo-5-leons-pour-lutter-contre-la-pauvretEsther Duflo questiona: os esforços monetários de quem é solidário têm verdadeiro impacto nos receptores da bem-feitoria? Para Duflo, economista de nacionalidade francesa, a resposta é ambígua, e deve ser subvertida para o campo científico. A vencedora da Medalha John Bates Clark – distinção da American Economic Association – acredita que a racionalização impera sobre a reacção emocional.

Naquela que foi uma opção de carreira altruísta, Duflo dedicou-se ao estudo científico da pobreza; de onde surge e como eliminá-la. Fá-lo bem para lá da folha de Excel, procurando respostas nos locais onde o flagelo prolifera, diligenciando compreender por que motivo falham os processos actualmente postos em prática. Com base nos seus estudos, a conclusão é a de que o problema da pobreza não foi ainda erradicado graças ao preconceito político sobre o que é, de onde surge, e quem aflige; aquilo a que a economista apelida de “triplo i: ideologia, ignorância e inércia”. Desconstruindo, quer a afirmação significar que a política das ideias desemboca e promove desconhecimento acerca da população flagelada pela pobreza. Gerada a ideia pré-concebida, o sistema mantém-se inerte, mantendo-se irredutível quanto à perspectiva com que opta por interpretar a realidade. O sistema mantém-se bem oleado.

De exemplos concretos se retira a conclusão. Só ao continente Africano, foram entregues mais de 30 mil milhões de dólares em ajuda humanitária. Não obstante, o auxílio permanece fantasmagórico, no sentido em que não se observa impacto real no melhoramento de condições de vida e no combate à pobreza em geral. Duflo reflete no que poderia ter acontecido caso o dinheiro, franquiado solidário, nunca tivesse existido, e conclui pela impossibilidade de adivinhação. Serve este exemplo para colocar em causa as recorrentes angariações, cujo impacto não é mensurável. Nas palavras da economista galardoada, “A questão é que, se nós não sabemos se estamos a fazer bem, então não somos melhores do que os médicos da época medieval e as suas sanguessugas”.

Esther propõe que o conhecimento sobre o que de facto funciona, e o que não funciona, é bem mais fundamental do que continuar a fornecer ajuda indiscriminadamente, garantindo apenas o propósito esgotado da solidariedade sem método. Não basta abonar de forma passiva, é necessário, fundamental, providenciar incentivos à acção, ou seja, promover a procura junto dos necessitados. Estender a mão à pobreza não surtirá qualquer efeito se não houver quem a agarre.

holding hands

Criando sinergia entre a filantropia e a economia, o que Duflo espera alcançar com as experiências sociais que tem vindo a conduzir é a descoberta de relações causa-efeito económicas, que eventualmente transpiram para a vivência social e comunitária. Do seu incansável trabalho, retira-se a alentada conclusão de que é possível minimizar os efeitos da pobreza, e até mesmo extingui-la. Basta para isso providenciar mais do que o tinir do ouro trabalhado, procurar e descobrir o método mais eficaz de garantir que a ajuda é, efectivamente, colocada em prática.

Combater a solidariedade passiva passa, essencialmente, por derrubar ideias pré-concebidas sobre a pobreza, ingressar na procura por soluções eficazes e alternativas aos processos instituídos, cujo controlo dificilmente se promove. A resolução de Ano Novo pode ser tão simplista como, tão somente, refletir sobre o activismo de Duflo, e procurar reproduzi-lo, por mais ínfimo que o resultado possa parece.

Share this article
Shareable URL
Prev Post

Se é obeso, a culpa pode estar nos seus amigos

Next Post

A mente dinâmica de Zaha Hadid

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.

Read next

Problema de Expressão

O Governo apresentou o Documento de Estratégia Orçamental na passada quarta-feira à tarde, em plena véspera do…