Verdade ou consequência?

Há algum tempo vi um vídeo em que uma pessoa defendeu que 2 + 2= 5 (ou outro resultado que não 4). Isto pode significar que estamos perante um génio da matemática e tudo o que aprendemos e sobre o qual a ciência se construiu era, na verdade, falso ou há um equívoco da pessoa que defendeu um resultado diferente de 4. Aquela pessoa defendeu a sua posição como se de uma verdade evidente se tratasse e os outros que ousavam argumentar não compreendiam ou estavam imbuídos de preconceitos e estereótipos.

Algumas definições apontam a verdade com a qualidade do que é verdadeiro, conforme a realidade, conforme os factos, autenticidade. Na própria definição de verdade já temos alguns problemas que não trataremos aqui e deixaremos que os filósofos e os cientistas sociais os discutam. Alguns dos problemas são: o que é a realidade? Quem define o que é a realidade ou o autêntico? Que factos e qual o método para os alcançar? Bem sei que escrevi sobre a necessidade de adotarmos a dúvida metódica para nos orientarmos nesta realidade em que, nem sempre tudo o que parece é. Contudo, temos de partir de alguns pressupostos que consideramos válidos, ou seja, eu não preciso de duvidar da 1ª Lei de Newton para saber que qualquer corpo permanece inerte até que algo o force a mudar de posição. Da mesma forma eu não preciso duvidar que se largar algum objeto ele cairá no chão devido à gravidade.

Resumindo, podemos ter opiniões diferentes sobre factos e eventos, mas a verdade é o que ultrapassa as opiniões, que reúne consenso e é demonstrável em qualquer momento. O problema começa quando misturamos as nossas opiniões, misturando-as com factos que parecem verdadeiros, e visamos impor a nossa vontade.

Um interessante estudo feito por Vosoughi, Roy e Aral, demonstrou que um conteúdo verdadeiro demorou seis vezes mais tempo do que um conteúdo falso para alcançar 1500 pessoas Por outras palavras, uma mentira difunde-se dez vezes mais rápido do que a verdade. Claro que os boatos sempre existiram e são usados (intencionalmente ou não) por diferentes pessoas, independentemente do grau de estudos ou da sua posição social1.

Se antes um boato só se transmitia em determinados lugares, hoje na palma da mão com qualquer telemóvel somos bombardeados por notícias, algumas das quais com verdades alternativas, e outras informações que “alguém” queria que se mantivessem ocultas do público. Por outro lado, é um facto de que tendemos a procurar informação que justifique as nossas opiniões, descartando a que a contraponha, e tudo isto só é possível porque os algoritmos das redes sociais digitais se certificam que temos mais probabilidade de encontramos informações e pessoas que concordam com as nossas opiniões.

É difícil perceber o que é a verdade no meio de tanta informação a que temos acesso e que através das notificações nos nossos telemóveis. O primeiro passo é duvidar, mas não precisamos colocar em causa os fundamentos da matemática como no primeiro exemplo e tampouco precisamos acreditar em alguém só porque tem muitos títulos académicos ou porque tem acesso a uma fonte de informação num qualquer lugar que parece importante.

Não querendo simplificar o problema em saber o que é a verdade, podemos assumir pelas caraterísticas básicas. Tudo o que é conforme a realidade e segundo os factos é algo verdadeiro, ou seja, é objetivo e ultrapassa o nível individual. O que não é conforme a realidade partilhada entre todos e não é possível demonstrar através de um encadeamento de factos, é uma mentira.

1George Bush justificou a invasão americana ao Iraque com base na mentira de que Saddam Hussein tinha armas de destruição maciça, mas a verdade é que nunca foram vistas. As consequências, para além dos civis mortos e da destruição do país, foi a instabilidade que aquele país vive desde então.

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