Um ambiente de consternação pairava sobre o bairro com o peso do céu caído. Há mais de uma semana que a jovem Dália estava desaparecida e Vilar era aquela pessoa estranha a quem o assunto passava ao lado. Ele nada dizia sobre o acontecimento que pôs o bairro em alvoroço nem demonstrava qualquer interesse. Já antes era por todos olhado de lado. Estranho rapaz sem falas, caído naquela casa sem ninguém saber como nem porquê. A princípio procuraram integrá-lo na pequena comunidade, deram-lhe as boas vindas e até lhe falaram da bela Dália. Também ela se havia cruzado com ele. Revelava desinteresse e colocava a sua postura de silêncio e desdém. Acabou por ficar como o vizinho incómodo pela distância que impunha aos outros e por ser aquele de quem ninguém nada sabia. Dele apenas admiravam a beleza das suas rosas, tidas tão belas como a jovem Dália.
Dona Alice passeava o seu cachorro todas as noites, percorrendo lentamente as ruas do bairro. Por longos minutos parava a admirar as rosas do Vilar. Firmes e hirtas no pequeno jardim da casa, delicadas ao mesmo tempo. De noite escondiam o admirável vermelho escarlate das suas pétalas de fogo vivo. Alice não conseguia deixar de gabar aquelas rosas e sentir alguma admiração pelo carinho e atenção necessários para assim as manter. Numa noite, por qualquer motivo, teve de retardar o seu passeio. Quando passou por casa de Vilar viu-o a cuidar das rosas sob o espectro da luz do luar.
– Boa noite, Vilar. Que belas rosas tem. – Falou-lhe um pouco a medo. Vilar olhou para ela e simplesmente anuiu com um gesto. Ela continuou. – Qual é o seu segredo?
– Algo tão belo só sobrevive alimentado de beleza. – Foi a resposta de Vilar. Alice não compreendeu nem podia.
– Quando fala assim de beleza só me lembro da jovem Dália, coitada. – Insistiu Alice em vão, Vilar já se voltara e entrava em casa, fechando a porta atrás de si.
Dália sempre fôra, desde muito nova, a mais bela rapariga do bairro. A enorme tragédia que se vivia com o seu desaparecimento era inimaginável para todos. Ao mesmo tempo compreendiam em silêncio sem nunca o conseguirem afirmar. Dália acabara de fazer 18 anos e era já a mulher mais bela do bairro. Sempre subsistiu o receio de a ver partir cedo. Tamanha beleza não podia ficar confinada àquele bairro. A nenhum bairro. Longo cabelo loiro pintado pelo sol, corpo esculpido lentamente, aperfeiçoado dia após dia, em cada dia da sua ainda jovem vida. Sorriso contagiante, olhar esplendoroso, radiante de vida e de alegria. Tamanha beleza pertencia ao mundo. Vê-la partir era uma questão de tempo. Mas não assim. Não sem explicação, não adensando todos sob uma nuvem negra de mistério.
Durante os primeiros dias após o seu desaparecimento, todos no bairro saíram à rua. Durante todo o dia e toda a noite percorreram todos os cantos e recantos. Todos menos Vilar. Nesses dias granjeou uma atenção que dispensava. É que todos em procura da bela jovem deixavam-se distrair admirando o vermelho escarlate das rosas de Vilar. Involuntariamente, ele passou a ser tema das conversas quando se impunha alguma distração. Involuntariamente, chamou as atenções para si, ainda que ninguém o percebesse. E um estranho sentir começou a notar-se. A maior beleza do bairro eram agora as suas rosas.
Depois da noite em que foi incomodado por Alice, Vilar começou a tratar das rosas ainda mais fundo na madrugada. Àquelas horas ninguém se via na rua e os poucos que ainda procuravam Dália durante a noite, faziam-no em lugares mais distantes, por vezes insensatos. O bairro tornava-se desértico e silencioso garantindo a Vilar a tranquilidade que almejava. Passava longos minutos em torno das rosas. Falava com elas enquanto acariciava as pétalas com toques muito leves e suaves. Parecia temer assustá-las. Revirava lentamente a terra em volta, grão após grão, procurando ervas ou insectos que as pudessem afectar. Depois suspirava orgulhoso e regressava a casa.
Vilar tinha um segredo para que as suas rosas fossem o sol em chamas, para que fossem as mais belas rosas que já se viram. E esse segredo em breve iria implodir todo o bairro.