Em novembro de 2016, a Chapecoense, equipa da primeira divisão do futebol brasileiro sofreu um acidente de avião na Colômbia. Acidentes desse tipo são marcantes para um clube, uma cidade e um país. Há exatos 70 anos, no dia 04 de maio de 1949, a equipa italiana de Torino também sofre um trágico acidente aéreo, depois de partir de Portugal.
O Grande Torino
Na década de 1940, o Torino era o maior equipa de futebol italiano, cinco vezes campeão nacional, sendo que o último título, em 1949, após a tragédia. A Itália encontrava-se devastada pela Segunda Guerra Mundial e o futebol era a forma que o povo tinha para esquecer um pouco a miséria e a dificuldade em que se encontrava.
O Torino também servia para dar orgulho e melhorar a autoestima do povo italiano, colecionava records, foi a primeira equipa a ganhar o Campeonato de Itália e o Campeonato Italiano na mesma temporada. Só para se ter uma ideia, dos 11 jogadores da Squadra Azzurra, 10 eram jogadores da equipa grená da cidade de Turim.
Liderados pelo capitão Valentino Mazzola, cada jogo era um verdadeiro espetáculo, uma equipa que jogava ao ataque e, por isso, conquistava tantos adeptos. Quando jogava em casa, no estádio Filadélfia, exatamente aos 15 minutos, uma trompete soava o toque de assalto da cavalaria nas bancadas e o capitão Mazzola levantava o braço direito, dando o sinal para o resto da equipa começar o ataque. Durante os 15 minutos seguintes, a equipa do Torino era só ataque, sufocando a equipa adversário no seu campo. Eram os “15 minutos do Filadélfia”. Dizia-se na imprensa italiana da época que nenhuma equipa do mundo era capaz de sobreviver a esse quarto de hora.
O Jogo com o Benfica
Foi esta equipa do Torino que no dia 01 de maio de 1949 veio para Lisboa participar num jogo amigável com o Benfica, em homenagem ao então capitão dos encarnados, Francisco Ferreira. O jogo aconteceu no dia 03 de maio no estádio do Jamor e o Benfica saiu vitorioso por 4×3. Estando às vésperas das finais do campeonato italiano, a equipa do Torino participa das comemorações e homenagens ao jogador português, mas embarca no avião FIAT-G212 da ALI de volta para casa já no dia 04.
A Tragédia na Basílica de Superga
O avião com 31 passageiros, entre eles 18 jogadores da equipa italiana, faz uma escala em Barcelona e segue para Turim, sob uma forte tempestade.
Perto das 17 horas o experiente piloto Pierluigi Meroni, veterano da Segunda Guerra, avisa a torre de comando que estão a aproximar-se. Minutos depois, a torre contacta o piloto e comunica as péssimas condições meteorológicas, indicando um denso nevoeiro, com visibilidade horizontal abaixo de 40 metros. O piloto agradece, mas diz que estão quase a chegar. Foi o último contacto entre a cabine da aeronave que segue a sua descida para aterrar no aeroporto de Turim.
Enquanto isso, no interior da Basílica de Superga, o padre ouve o barulho dos motores, mas não se preocupa, pois está habituado com os aviões que sobrevoam a igreja. Então, chegou um estrondo e um forte tremor, às 17h05, a aeronave chocou contra uma das torres, matando instantaneamente todos a bordo.
Mais de 500 mil pessoas no funeral
A notícia do acidente logo se espalhou pela cidade, que atónita aguardava o retorno da equipa. Mais do que atletas do clube da cidade, eles eram pais, irmãos, vizinhos, amigos. Em 1949, os jogadores da esquadra grená eram parte do quotidiano da cidade e das pessoas, todos eram próximos. A notícia espalhou-se aos poucos pela Itália e, por fim, pelo mundo. O Grande Torino já não existia. Os “15 minutos do Filadélfia” não aconteceriam mais, pois foram sufocados por Superga.
A comoção foi tanta que mais de 500 mil pessoas estiveram presentes no funeral. Para se ter uma ideia, a população local era de cerca de 500 mil habitantes, em 1949. A cidade de Turim escolheu o mais belo palácio para prestar as últimas homenagens, no dia 06 de maio, aos ídolos da esquadra grená: o Palazzo Madama. As ruas ficaram cheias e o silêncio e a tristeza tomaram conta da cidade e em toda a Itália foram feitas homenagens aos mortos na tragédia.
Os jogadores do Torino mortos em Superga foram: Aldo Ballarin, Danilo Martelli, Dino Ballarin, Eusebio Castigliano, Ezio Loik, Franco Ossola, Giuseppe Grezar, Guglielmo Gabetto, Julius Schubert, Mario Rigamonti, Milo Bongiorni, Piero Operto, Romeo Menti, Rubens Fadini, Ruggero Grava, Virgilio Maroso, Valerio Bacigalupo e Valentino Mazzola.
A Itália e o futebol após a tragédia
As consequências daquele 04 de maio foram arrebatadoras para as famílias e amigos, mas também para o equipa do Torino e para o futebol italiano. O Torino sagrou-se pentacampeão após a tragédia, jogando com a equipa júnior, como uma homenagem póstuma aos ídolos que partiram em Superga. Faltavam 4 jogos para o fim do campeonato e as outras equipas italianas, em solidariedade com o Torino também jogaram com as suas formações juniores.
Como dito anteriormente, a Azzurra era praticamente toda formada por jogadores do Torino e o acidente em Superga desfalcou completamente a seleção italiana. Um ano depois, para a disputa do Campeonato do Mundo, realizado no Brasil, a Federação Italiana proibiu a delegação de viajar de avião para o torneio, tendo a equipa viajado para o país sul-americano de barco, que demorou duas semanas para chegar ao destino. Cansados, os italianos foram eliminados logo na primeira fase, após derrota contra a Suécia por 3×2.
O Torino, depois da tragédia de Superga, deixa de ser a maior equipa de futebol da Itália e de Turim, abrindo espaço para o crescimento da Juventus. Dez anos após o acidente, a equipa grená cai pela primeira vez para a série B e amarga muitos anos difíceis. Apenas em 1976 conquista novamente um título italiano.
O Estádio Filadélfia
A casa do Torino, o Filadélfia, também entra em decadência juntamente com a equipa. Sem o toque da cavalaria na arquibancada e o sinal do capitão Mazzola para começar o ataque, o estádio começou a morrer. O Torino deixou de jogar no Campeonato Italiano no Filadelfia, a partir de 1958/59, temporada que culminou com a primeira queda para a Série B. Acabou por fazer as partidas da segunda divisão em casa por superstição, mas no retorno à elite adotou de vez o estádio Comunale – que foi derrubado no final dos anos 1990, reconstruído e hoje chama-se Olímpico Grande Torino.
O Filadelfia ficou esquecido até ficar praticamente em ruínas e ser demolido em 1997.
Vinte anos depois, uma das feridas abertas na história do Torino finalmente foi cicatrizada, o estádio foi reinaugurado a 25 de maio de 2017 com 4000 lugares, servindo para as equipas de formação, e o estádio Olímpico Grande Torino, que é a casa oficial do clube no Campeonato Italiano, está a apenas 900 metros de distância.
Começou com obras a partir de outubro de 2015, os fãs lidaram nas duas últimas décadas com inúmeras promessas de reconstrução, que, exceção feita a atual, fracassavam antes mesmo de iniciarem. O interesse das construtoras, que viam potencial na área sudeste da cidade de Turim, também passou a aterrorizar muitos fãs. Durante este período, o Torino teve seis presidentes. Disputou a Série B dez vezes. Enfrentou um processo de falência. E nunca mais foi campeão de nada.
Para além disso, a equipa amargou jejuns jamais testemunhados na própria história. Para citar três exemplos: foram 20 anos sem vencer a rival Juventus. Também foram 21 anos sem derrotar a Inter de Milão. E outros 20 sem disputar um torneio internacional relevante. Muitos torinistas atribuem os tempos obscuros à demolição do Filadelfia. O misticismo que cerca o local é prova da sua importância para a equipa é difícil de ser medida.
Torino e Chapecoense
No dia 01 de agosto de 2018, foi realizada uma partida amigável ente o Torino e a Chapecoense no estádio Olímpico. No estádio Filadélfia, a equipa brasileira fez a preparação para o confronto, que acabou vencido pelo Torino por 2 a 0, golos de Meïté e De Silvestri. Alan Ruschel, sobrevivente do acidente da Chapecoense jogou 87 minutos dessa partida entre estes dois clubes que sofreram tragédias semelhantes.