A guerra dos Tories
Foi decidido pelo plebiscito realizado a 23 de junho de 2016 a desvinculação do Reino Unido da União Européia – o popular Brexit – a partir das 23 horas do dia 29 de março deste ano. Com isso, uma proposta de acordo para a saída foi colocada para votação no parlamento britânico.
Por causa desta proposta de acordo, deputados conservadores rebeldes submeteram a primeira-ministra britânica, Theresa May, a uma moção de censura. Disputas internas no Partido Conservador (Tories) não é algo inédito, May é a segunda mulher no cargo de primeira-ministra do Reino Unido e poderá ser também a segunda a cair por causa das divergências do partido em torno da integração europeia. A sua antecessora nas duas coisas foi Margaret Thatcher, que morreu em 2013 com 87 anos, tendo sido primeira-ministra entre 1979 e 1990.
Conhecida como A Dama de Ferro, primeira-ministra durante a Guerra Fria, no auge do conflito da Irlanda do Norte, Thatcher enfrentou uma rebelião no Partido Conservador face às reticências em concordar que o Reino Unido aderisse ao Mecanismo Europeu de Taxas de Câmbio. Viu a sua liderança contestada da mesma maneira que agora May pode ver através da votação da moção de censura.
Em 28 de novembro de 1990, Thatcher deixou Downing Street em lágrimas, sentindo-se traída. A corrida à sua sucessão foi depois ganha por John Major. Este lideraria o partido e o governo até às eleições de 1992, as quais venceu, governando até 1997.
A primeira mulher líder do parlamento
Margaret Hilda Roberts nasceu em 13 de outubro de 1925, na cidade de Grantham, Inglaterra e formou-se em Química na Universidade de Oxford. Durante a juventude, foi ativa na política, sendo presidente da associação conservadora da universidade.
Em 1950, dois anos após se formar, candidatou-se para uma vaga no parlamento, foi derrotada e tentou no ano seguinte, mas novamente não obteve sucesso. Dois meses depois, casou-se com Denis Thatcher. Em 1952, deixou a política para estudar Direito. No ano seguinte, deu à luz os gémeos Carol e Mark. Não deixou a política de lado e, em 1959, ganhou um assento na Câmara dos Comuns.
Quando o Partido Conservador voltou ao governo, em junho de 1970, Thatcher foi nomeada Secretária de Estado da Educação e Ciência, após abolir o leite gratuito nas escolas, foi apelidada de “Thatcher, the Snatcher” (Ladra). Considerou frustrante este cargo por causa dos media, que falavam mal dela e também por causa da dificuldade que tinha em ser ouvida pelo primeiro-ministro Edward Heath. Assim, desencantada com as mulheres na política, disse, em 1973, que enquanto vivesse, provavelmente não haveria uma primeira-ministra no Reino Unido.
Ela, no entanto, provou estar errada. Em 1975, foi eleita líder do Partido Conservador. Com essa vitória, foi a primeira líder da oposição na Câmara dos Comuns. A Inglaterra estava numa situação económica e política muito má, com o governo próximo da falência e conflitos com sindicatos. Esta instabilidade ajudou na retoma do poder pelo Partido Conservador, em 1979, e Thatcher a ser nomeada primeira-ministra, chegando a 10 Dowing Street no dia 4 de maio.
Thatcher deixou claras as suas intenções: “Vou transformar a Inglaterra de uma sociedade do `Dá-me tudo’ numa nação do ‘Faça você mesmo’”. O começo de governação, em 1979 e em 1980, foi marcado por greves, protestos e até mesmo falta de alimentos. Lutou contra a recessão, aumentando, primeiramente, as taxas de juros para controlar a inflação. Por isso, ficou conhecida pela destruição de algumas indústrias tradicionais e pelos seus ataques a sindicatos, já para não falar da privatização das habitações sociais e do transporte público – um dos expoentes do neoliberalismo nos anos 80. Um dos seus grandes aliados foi o presidente dos Estados Unidos da América, Ronald Reagan.
Passou por um desafio militar durante o primeiro mandato. Em abril de 1982, a Argentina invadiu as Ilhas Falkland (Maldivas), território britânico na costa argentina. Enviou tropas ao território para retomá-lo e a Argentina rendeu-se em junho.
No seu segundo mandato, de 1983 a 1987, Thatcher precisou de lidar com diversas crises e conflitos, sendo talvez a pior delas a tentativa de assassinato contra si, em 1984. Numa conspiração orquestrada pelo Exército Republicano Irlandês (IRA), uma bomba foi colocada na Conferência Conservadora em Brighton, em outubro. Apesar do atentado contra a sua vida, insistiu na continuação da conferência e deu um discurso no dia seguinte.
Durante a Guerra Fria, encontrou-se com o líder soviético Gorbachev, em 1984. No mesmo ano, assinou um acordo com o governo chinês sobre o futuro de Hong Kong. Thatcher expressou o seu apoio aos ataques aéreos de Ronald Reagan sobre a Líbia, em 1986, e permitiu que as forças dos EUA utilizassem bases britânicas para tal.
Como é praxe na Inglaterra, Thatcher caiu em altíssima velocidade. Foi desafiada como líder do partido por um ex-ministro sem grande expressão. No dia da votação, em vez de lutar por votos, foi a um encontro em Paris de líderes globais. Venceu, mas não pela maioria necessária. Teria de haver uma segunda volta, que desejava tentar vencer, mas, caso não o conseguisse, a derrota seria humilhante. Faz parte dos costumes do poder em Inglaterra o líder desistir se não conseguir os votos indispensáveis na primeira volta. O apoio de muitos é retirado, caso haja insistência numa causa dada como perdida. Para os ingleses, é como se os interesses pessoais se sobrepusessem aos do partido.
Nas versões mais recentes da queda de Thatcher, ela teria recebido da rainha Elizabeth II o conselho de que desistisse de lutar na segunda volta. Anunciada a desistência, em 24 horas, Thatcher estava fora da Downing Street.
Ainda tentou ir ao seu gabinete uma última vez, mas já o encontrou trancado.