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O mundo divide-se

O mundo divide-se entre quem toma um banho com água a escaldar, porque está frio, e quem não o faz, precisamente, pelo mesmo motivo. Talvez esta minha comparação vos deixe confusos, mas é precisamente isto que se está a passar no mundo.

Lá em casa eu pertenço ao primeiro grupo, àquele que anseia por um banho quentinho que aconchega e aquece; o meu marido, ao segundo, àquele do: “cruzes, credo, canhoto”, como é possível alguém gostar de tomar banho no inverno? No entanto, o fio condutor é o mesmo: o frio. Eu prefiro a água quente, ele prefere não se molhar.

Seria estúpido e muito rebuscado comparar isto ao Covid-19? Talvez, mas eu sou uma mulher de riscos.

Nunca me manifestei publicamente sobre este assunto, primeiro: porque tenho a plena consciência que, ainda que seja apta a pensar pela minha cabeça, me faltam milhentos fatores dominantes neste processo para ser, pelo menos, assertiva. Segundo: porque não sou médica, não sou jornalista, não sou cientista. Portanto, logo aqui, deveria “arrumar as botas”, ouvir e cumprir aquilo que me dizem.

Ainda que saiba que não é justo uns fecharem, enquanto outros ficam abertos, o problema não será, nunca, uma questão de justiça. O problema são os médicos, cientistas e jornalistas de bancada. Aquela bancada munida de armaduras extrafortes a que chamamos de redes sociais. Onde se destilam ódios, e numa fração de segundo os mais influenciáveis acreditam em tudo o que ali se diz, contudo, não acreditam no médico que pediu, encarecidamente, para ficarmos em casa, porque já não aguenta mais!

Aqui, nesta realidade paralela da vida real de todos, somos os mais espertos, os mais informados, os mais sabedores desta coisa, de que afinal, toda a gente fala, mas ninguém sabe.

Enquanto expetadora muito contida dessas redes, vejo, uma vez mais, o mundo dividir-se: de um lado da corda, os que defendem que isto é tudo mentira e que os números estão adulterados para nos enganarem, do outro, quem não sai de casa desde março porque tem medo e acredita que isto é sério e mata. E, há ainda, quem se mantenha no meio da corda, umas vezes pendendo para um lado, outras para o outro, conforme o bicho mata mais ou menos.

O mundo divide-se, quando, mais do que nunca, se deveria unir.

Podemos defender que isto tudo aconteceu porque alguém quis enriquecer, porque o esquema estava montado com a Pfizer ou outras tantas que criaram a vacina; podemos achar que já vimos filmes parecidos com esta realidade, e no fim, a minoria que defendia que era tudo mentira, era, afinal, quem tinha razão; podemos, até, por isso, confundir a vida real com algum argumento bem conseguido; podemos duvidar de toda a informação que nos chega sobre mortes e infetados; podemos concluir que a gripe mata mais; podemos alegar que se tratam de jogos políticos, ou confundir medidas extremas com campanhas; podemos saber que, por causa do Covid, todas as outras mortes também aumentaram; podemos desconfiar que nos aldrabam dados; podemos aceitar os médicos e os jornalistas pela verdade; podemos enxovalhar o nosso governo, que mais parece nos desgovernar.

Podemos. Todos nós podemos, sempre que a nossa liberdade não condicione a liberdade do próximo.

Podemos questionar tudo, mas há um realidade inquestionável: há muita gente a morrer. O mundo divide-se, e continua a dividir-se mesmo quando o fio condutor aqui é aquilo que todos mais temem: a morte.

Porém, não. Não é o medo que move o mundo. É a empatia e é uma pena que ela não se espalhe da mesma forma que se espalha o vírus.

Podem achar esta visão da coisa muito romantizada, acredito que sim, especialmente aquelas pessoas que querem trabalhar e não podem, porque as obrigam a fechar portas, mas também acredito que, enquanto continuarmos em polos opostos a combater um mal comum, não vamos a absolutamente lado nenhum.

Eu sou do Algarve, não sou das grandes metrópoles como Lisboa ou Porto, que é de onde nos chegam, na sua maioria, as notícias, e enquanto cidadã preocupada com o que se passa no mundo — aquele sítio onde vivemos e que, até saber, não temos outra opção —, falei com uma amiga que vive diariamente esta dureza em contexto hospitalar. E ouvi-la descrever o que se passa, rasgou-me o coração.

Deixo-vos o seu testemunho, não só para que leiam, mas para que, de alguma forma, tentem interiorizar.

O vosso trabalho custa-vos? Têm portas fechadas? Não conseguem pôr comida na mesa? É, então, altura de percebermos que quando o mundo mudou há quase um ano, mudou para todos.

Sim, amiga, aquilo está mesmo muito mau… não há vagas em lado nenhum…nós temos 12 pessoas em casa com Covid, são turnos extras atrás de turnos extras…há pessoas por todo o lado… não vão ser dias fáceis…

Desta vez as coisas descambaram mesmo!! Eu só quero, todos os dias, chegar a casa e dormir, e acordar e estar tudo como antes…, mas não, acordo e lá vou eu outra vez…

Desta vez foi tudo, foi o Natal, a passagem de ano, foi, simplesmente, porque as pessoas perderam o medo há muito tempo…

Bem podem fazer as restrições que quiserem, enquanto as pessoas não perceberem que não podem andar por aí, nada vai mudar. Podem mandar fechar às 13h, às 20h, nada vai mudar enquanto as pessoas continuarem a fazer o que têm feito.

No outro dia fui receber o turno, e chorei, Susana, nunca tinha chorado, só tinha vontade de, simplesmente, sair porta fora, e deixar tudo como estava.

Chorei de revolta, impotência, desespero…chorei de raiva.

Tive de ir para a rua, respirar e voltar a entrar.

Estive parada no meio da decisão clínica 10 minutos, sem saber por onde começar…

Logo eu, que sou a primeira a arregaçar as mangas e começar a trabalhar…

Naquele dia só queria fugir dali, mas não posso…

 – Susana Borges, Enfermeira (Instituição Pública)

Ela não pode, mas nós achamos que podemos tudo.

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