Emoções

Temos uma grande dificuldade em viver emoções, em senti-las e exprimi-las. O mundo em que vivemos construiu-nos em volta duma mecânica racional, cartesiana e lógica, exponenciada pela competição e pelo poder, diminuindo de forma gigantesca toda a força das emoções em nós, uma das coisas mais básicas da nossa existência. Por isso, quando lidamos com elas, quando a elas somos levados e expostos, coisas estranhas e extraordinárias, algumas delas verdadeiramente maravilhosas, acontecem.

Nos últimos meses, aqui por este cantinho a que chamamos Portugal, temos sido, pelas mais diversas razões, levados a lidar com algo que é tão nosso, que nos define tão bem, mas que, por muitas décadas, senão séculos, tem ficado esquecido: o nosso lado emocional, apaixonado e profundo. No entanto, curiosamente, quando somos bombardeados com essa vivência, recordamo-nos de algo que nos une e elevamos o nosso espírito em prol de algo comum, duma identidade, dum sonho.

Se no ano passado foi o futebol, nestes próximos dias Fátima enche-se de peregrinos e de visitantes para receber o Papa Francisco na comemoração do centenário das aparições e, como nada é por acaso, contra todas as expectativas, contra todas as palavras menos simpáticas de sarcasmo, crítica e desprezo, um rapazito de ar estranho corre as bocas da Europa e do Mundo pelo facto de levar até à Eurovisão uma música, singela e simples, sem floreados nem purpurinas, que desperta em vários corações o que de mais belo a música pode despertar, as emoções, aquelas adormecidas e apagadas por vivências demasiado fechadas em aparências e em necessidade de ser melhor do que o outro. Curiosamente, também, o seu nome é Salvador.

Ainda que tudo isto possa parecer quase saído duma estratégia do Estado Novo, a realidade é que este é um momento em que podemos, e devemos, olhar para nós e compreender que a chave de tudo isto é a união em torno das emoções, é o focar de um povo, de uma nação, que se une em volta de algo, de alguém, de um conceito, duma ideia, duma esperança. Os maiores resultados não se manifestam em vitórias ou grandes mudanças, pois isso é o de menos importante, mas sim na consciência de que é em união que tudo se pode conseguir, tudo se pode atingir.

União, contudo, não combina com racionalidade, com estratégia mental ou cartesiana. União é emoção e é isso, no fundo, que nos torna únicos e especiais, que nos catapulta em capacidade, em brilho e unicidade, que nos permite levar ao mundo, a nós e a qualquer povo, mas também a qualquer indivíduo, aquilo que tem de especial, a sua essência, e nada mais, acredito, nos é pedido, nos é solicitado. Por isso, acredito que é só isso que precisamos de ser, únicos, emoção.

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