Na sociedade onde se vive é expectável que os filhos cuidem dos pais na velhice: é uma obrigação inerente ao estatuto de filho. Mas e quando essa obrigação não corresponde ao afecto recebido na infância? Qual a obrigação que os filhos têm?
Num país em que os idosos são tão maltratados, há quem defenda que os filhos têm uma obrigação cega em relação aos pais, mas se não aprenderam o que é amor e afecto, como o podem partilhar? Não que seja uma boa justificação para todos, mas num mundo em que se deixam as crianças ao cuidado de outros dias inteiros em prol de um sustento nota-se claramente que a nossa cultura, sociedade e afins não se organiza para proporcionar uma vida melhor a cada um. A falta de promoção da parentalidade de proximidade (e com afecto) corrói as famílias – ainda mais se os pais não receberam muito enquanto crianças. Claro, existem os descendentes que vêm nos pais um exemplo a não seguir e passam a vida a curar as suas feridas sem permitirem que a falta de afecto trespasse gerações, mas infelizmente também existem os que se transformam naquilo que os mais prejudicou: os seus próprios pais, acabando por criar uma espécie de desafecto nas relações humanas.
No outro dia li uma notícia em que a protagonista recebeu a sua mãe em casa impondo-lhe as regras que lhe foram ordenadas na infância e na adolescência. A mãe, indignada, acusou a filha que a acolhia de ser desumana. Surpreendente. A mãe não é uma criança, como é que não consegue ter consciência do impacto negativo que teve na educação daquela filha? É urgente entender que as feridas de infância são as que mais custam a passar. Há pessoas que não compreendem que os filhos (pelo menos até terem a idade de compreenderem a si mesmos) são um reflexo da educação que receberam. A ofensa e a mágoa gritam com o que recebem de volta. Contribuíram para o crescimento da bola de neve que agora querem destruir e nem sequer reconhecem isso. Devem os filhos aceitar tudo de olhos fechados? Onde começa e acaba então esta obrigação imposta pelos os que nos cercam?
Os julgamentos dos olhos externos vão ser muitos. Os filhos serão sempre maus filhos, se não cuidarem de uns pais que não os amou. Sabemos que seríamos pessoas diferentes se fôssemos educados por outros, MAS (e um grande mas) também temos consciência que há características que nos são inerentes.
Além da educação, também somos a essência. Há coisas que ninguém nos ensinou mas que florescem na nossa alma. Existem crianças que já nascem com a vontade de tomar conta dos outros, é-lhes inato e inevitável que a um certo momento queiram assumir as dores que não são suas. Outras a quem nada disto interessa e querem viver a vida ao máximo. Está tudo certo, desde que se tenha a orientação certa (papel dos pais). A essência pode ser motivada ou desaprendida. É inegável. Mas seremos sempre confrontados com aquilo que verdadeiramente somos e aí, a educação que nos guia tem um papel fundamental.
Acredito que o cuidar dos pais não deve ser feito por obrigação, mas sim por Amor. Assim, um ponto de caramelo, sem ser excessivo, adocicado e na medida certa do afecto que nos proporcionou. É preciso aceitar e entender que cada um faz o melhor que pode com os limões que a vida lhe deu. Se não é para Amar, mais vale ceder e aceitar para que outros amem.