Os pensamentos gritantes que nos mantêm os olhos abertos.
Há algum tempo que não acordava a meio da noite. Desperto, alerta. A ouvir o som do dormir e do sonhar.
Na casa velha, a ausência caminha devagar pelos corredores. Eu sinto-lhe os passos. Há anos que é assim. A ausência de alguém consegue tornar-se muito maior do que a vida. Maior em tempo, maior em recordação, maior em tudo. Viveram com a minha irmã três anos, vivem a ausência dela há mais de trinta e cinco.
“Não respira!” o pânico na voz do meu avô. “Não respira!”
Quatro meses antes de eu nascer. Não as ouvi, mas sei estas palavras de cor.
Aqui deitado, passeio pelas memórias dos quartos. Andava descalço pelo chão que gemia, fechava os olhos para me desviar dos móveis, arrastava os dedos pelas paredes e tocava nos arrependimentos e nos olhares que forravam a velha casa. Sei essas palavras de cor porque as paredes sussurravam-nas de volta, quase cuspidas.
“Não respira!”
Cresci nos silêncios que foram erguidos depois destas palavras. Por vezes, encontro-os em lugares que não esperava: noutro continente, noutro sofá, noutra história. Estão sempre no limiar de quem sou. Vemos muito o mundo pelo filtro do nosso crescimento. Condiciona-nos até quando nos esforçamos para não ser condicionados.
Levanto-me e olho pela janela. Do outro lado do mundo a lua será a mesma para quem se perde em batalhas diferentes da minha.
Alguém me abraça e me pede para voltar para a cama. Vou voltar. A casa velha agora é minha, com todos os seus fantasmas. No cadeirão do avô há uma sombra que embala outra: a ausência cumprimenta-me.
Passamos mais tempo a não existir do que a existir. Quantas pessoas pensarão no mesmo esta noite?