Há quase duas décadas, o regime de segregação racial sul-africano, um dos últimos bastiões de discriminação racial do século XX, acabou. Com o fim do regime, uma nova Constituição e uma nova forma de estar em sociedade foi edificada, sob os princípios da igualdade e liberdade. Brancos e negros cooperaram juntos, liderados por Nelson Mandela, eleito Presidente da África do Sul, em 1994, partilhando entre si a vontade de viver em democracia. Embora as melhorias sejam evidentes e a nação sul-africana seja a maior economia do continente africano, os direitos expressos na Constituição, ainda hoje, nem sempre são respeitados e garantidos.
Como já vem sendo habitual, Julho e Agosto, são meses de grandes tensões e manifestações na África do Sul devido às negociações salariais colectivas. Os trabalhadores, de vários sectores de actividades, estão a exigir um aumento salarial, na ordem dos dois dígitos, para que a qualidade de vida da população melhore e diminua a diferença entre os mais pobres e os mais ricos, que teima em persistir mesmo após o fim do regime racista: Apartheid.
Se a desigualdade e a segregação eram as bandeiras que definiam o antigo regime, a pobreza, a corrupção, a SIDA e a criminalidade são as facetas predominantes desta democracia. Os pólos de desenvolvimento desta nação africana concentram-se em torno de quatro áreas: Cidade do Cabo, Port Elizabeth, Durban e Pretória/Johannesburg. Fora destas zonas, a pobreza personificada em bairros degradados e o desenvolvimento limitado reinam, privando o acesso a bens e serviços à maioria da população, propagando a desigualdade social e económica.
De acordo com os dados, apresentados em 2010, divulgados pela ONU, as cidades sul-africanas Buffalo City, Johannesburgo e Ekurhuleni foram consideradas as áreas mais desiguais do mundo. Esta desigualdade atinge todos os aspectos da vida social, como a desigualdade de género, de orientação sexual, mas principalmente a nível económico que impede a igualdade de acesso ao cidadão comum.
Também a corrupção, a impunidade da classe política e das forças de segurança sul-africanas são outros dos problemas que afectam e deturpam o verdadeiro sentido de cidadania. Segundo a ONG sul-africana “Corruption Watch”, os funcionários municipais são os mais corruptos, sendo que, 22% das queixas recebidas em 2012 foram contra estes empregados. Nesta lista, em segundo lugar aparece a polícia de trânsito com 14,4% e os funcionários da área da educação com 11%.

As imagens do uso excessivo de violência das forças policiais, junto de manifestantes ou casos de violência gratuita, como o taxista moçambicano que foi arrastado pelas ruas de Davidton, na província de Gauteng e acabou por não resistir aos ferimentos causados por este acto, são demonstrativas da brutalidade das forças de segurança que não respeitam o direito à greve, à liberdade de expressão, atropelando os direitos conquistados no pós-apartheid.
No próximo ano será assinalado os 20 anos, em que o mundo assistiu à mudança há muito esperada pelo povo sul-africano. 20 anos nos quais a economia conheceu uma nova vitalidade, um novo progresso, mas onde a desigualdade e o desrespeito pela dignidade humana continuam a segregar o pobre e o rico.