– Sôtor, não sei mais o que fazer… Elas dão cabo de mim.
É o começo de um lamento do 8 de março, deitado no divã do consultório do psicanalista. O terapeuta reserva o dia para a efeméride, mas o seu estado tem vindo a degradar-se ano após ano.
– Então, então ânimo homem!
– Por favor, não diga isso alto… Ainda alguma iluminada se levanta a dizer que sou isento de género.
– Era só uma força de expressão…
– Ui! Não pode! Isso é insultuoso e cultiva a cultura patriarcal.
– Está assim tão mau, isso? Vá, desabafe. Sou todo ouvidos.
– Olhe, sôtor, isto vai de mal a pior…
Primeiro, morrem por mim. Umas quantas centenas, sôtor, não foram só uma ou duas! Depois vêm outras tantas, dizer que deveriam era todas voltar para a cozinha, que lá é que fazem falta e é na família que a mulher deve manter o seu foco. Só neste curto ano, mais de uma dezena, quatorze para ser preciso, viram cair a guilhotina pelas mãos dos carrascos a que um dia chamaram maridos. Milhares continuam subjugadas, maltratadas, reprimidas e dominadas, apenas por serem mulheres.
Outras ainda querem subir na carreira, chegar a postos de chefia e a cargos com elevada responsabilidade. E o problema nem está muito em nós, sôtor, que também não somos boa rês, o problema está na colega que a vê subir e passa rasteira. Na que destila veneno, enquanto puxa lustro à mesa do chefe.
E o pior, o pior sôtor, é quando vem alguém lhes diz que “estão mais cheiinhas”. Borrifam-se para todo o verniz que têm as unhas e vendem a alma ao diabo por quem lhes prometer menos gramas na nádega.
Estão sem rédea, sôtor, estão sem rédea, sem saberem bem o que precisam, apenas sabendo que antes magra que nula. Estão a dar cabo de mim, sôtor, estão a dar cabo de mim.
– Realmente, não está fácil isso… Quer um conselho? Junte-se a algumas delas e vá emborcar umas tequilas logo à noite. Não vai melhorar, mas vai adormecer a sensação de impotência e a inutilidade que o mina.