Viagem Literária

José Tolentino Mendonça e Valter Hugo Mãe são organicamente escritores. Digo isto com segurança, depois de ouvi-los numa conversa moderada pelo jornalista João Paulo Sacadura, no Teatro Municipal Dias, no Funchal, numa iniciativa da Porto Editora chamada “Viagem Literária”.

Não cabia em mim de curiosidade para ouvir e ver ao vivo José Tolentino Mendonça. Tenho de admitir que todos os fins-de-semana abro a revista do Expresso com a ânsia de ler a crónica deste escritor, que tanto me faz pensar e tropeçar em ideias novas ou em sentimentos que já existiam inconscientemente e que com a leitura das suas palavras, vem ao de cima com uma força arrebatadora.

O que mais gosto em José Tolentino Mendonça é a sua simplicidade e neste encontro que tive a sorte de presenciar, constatei, de facto, que este homem transborda poesia. Porém, mais do que isso, “ele fala-nos ao coração” como me disse uma amiga.

Este escritor não tem a pretensão de ser o génio poeta que está enclausurado na dita torre de marfim, alheio a tudo e a todos, absorto na sua sapiência inacessível à compreensão dos comuns mortais.

José Tolentino Mendonça admitiu na “Viagem Literária” que o seu ouvido é o seu maior instrumento de trabalho. “Os corredores de uma universidade, ou uma igreja” são locais onde pode recolher material de trabalho. É quase como encontrar diamantes que depois lapida em casa e como resultado dessa lapidação saem aqueles poemas maravilhosos ou aquelas crónicas viscerais.

José Tolentino Mendonça foi altamente influenciado pela literatura oral, facto que o tornou muito sensível à escuta. Este escritor deixa-se inspirar pelo que ouve, pela vida que o rodeia, pelas pessoas e por isso escreve para as pessoas.

O poeta disse que na sua infância não teve acesso a livros, mas que conheceu pessoas que eram autênticas bibliotecas ambulantes, pelo enorme conhecimento que tinham da literatura oral. Crescer neste ambiente enriqueceu-o imenso e fê-lo perceber que, ao ler um livro, existe uma fronteira entre a verdade e a ficção, ou seja, o leitor até pode entrar na obra, porém, quando a fecha, só volta a reencontrar-se com aquela história, quando a reabre.

Em boa verdade, há uma separação física entre o leitor e o livro, ao passo que, na literatura oral não há maneira de sair dela, fica em nós e passamos a ser autênticos “pedaços de livros”.

“Antes de tudo, a literatura é uma experiência”, explicou José Tolentino Mendonça, justificando a importância que as letras assumem no seu universo simbólico.

Valter Hugo Mãe, por seu turno, sempre desejou ser um poeta e não apenas escritor, queria mesmo poetizar a vida. Confesso que não conheço o trabalho deste autor e, por isso, estava expectante em vê-lo e admito que conquistou uma possível leitora.

Este escritor tem um humor refinado e mostrou ser um sujeito com uma enorme capacidade de rir de si próprio, o que denota ser portador de uma inteligência sagaz.

Na “Viagem Literária” o jornalista João Paulo Sacadura fez algumas alusões ao seu romance A Desumanização, que centra a sua história na Islândia.CP_viagemliteraria_1

Valter Hugo Mãe disse, entre risos, que na Islândia os habitantes “tratam-nos como pessoas”, visto que nesse país os roubos não são coisas comuns. Os islandeses vivem como se não esperassem maldade da parte dos outros e toda essa beleza iminente no relacionamento das pessoas inspirou imenso este escritor que queria ser poeta, mas que lançou este romance, porque as palavras ganham vida e não escolhem sair em quadra ou espartilhadas em rima. Quem tem arte dentro de si não consegue domá-la e acaba apenas por ser um mero mediador das sensações e são elas que escolhem a sua forma de expressão.

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