Reconhecimento dos mais aptos … será uma utopia?

Platão (séculos V e VI a.C.) discutia abertamente qual o melhor modo de governo. Na sua obra República ou Politeia, para além do aprofundar da discussão em torno do conceito de «bem» e se realmente compensa fazer o dito «bem», Platão tenta definir, através da dialética, qual o melhor sistema governativo – numa relação com o próprio tema do «bem».

Para Platão, o melhor sistema de governo seria a aristocracia – o «governo dos melhores», segundo a definição do próprio – em oposição a todos os demais, especialmente a democracia da época, que o filosofo tão bem conhecia. Mas por quê esta opção?

Platão justifica pelo melhor interesse que a forma de governo aristocrática teria para a “polis” – a sociedade, porque a democracia, embora melhor idealmente, pela igualdade e pela liberdade que promovia, podia trazer malefícios sociais, não garantindo que os mais competentes efetivamente governassem.

Platão defendia assim uma revolução social em que se pudesse despoletar e desenvolver o melhor de cada cidadão, e pelas qualidades e pelos méritos individuais nas suas várias vertentes atribuir-lhes papéis e responsabilidades na sociedade, ficando efetivamente o governo, a mais alta posição social, destinada aos mais capazes.

Platão propunha uma sociedade que conseguisse designar os melhores para cada cargo. Esta conceção tem tanto de ideal como de utópico e até atentar contra os ideais de liberdade e da igualdade, mas no fim de contas não será o processo democrático, nas suas várias formas, um modo de tentar encontrar os melhores governantes entre todos os cidadãos.

No fundo, analisando o intuito da própria democracia, é quase consensual que um dos principais objetivos de uma democracia será ter o melhor dos governos, composto pelos mais competentes e aptos, em prol do melhor benefício comum, respeitando as liberdades individuais e coletivas.

Atualmente, o nosso sistema de representação política depende da dificuldade de cada cidadão se representar a si próprio politicamente. Sendo a concretização do «governo do povo» – significado de democracia – feita de forma parcial e indireta. Caindo ou sendo diminuídas essas dificuldades, mudará o paradigma político. Isso será difícil de conseguir, se não impossível, mas se porventura algum dia os cidadãos se conseguirem representar a eles próprios, em todos os atos de governo, teremos então uma verdadeira e completa democracia, uma democracia mais direta.

A visão de Platão e do seu governo ideal poderá ser reinventada e reinterpretada à luz do social democrático: democrático pois os mais aptos – os melhores – poderiam ser escolhidos de entre uma série de cidadãos qualificados e com competências e características para determinadas funções e social na medida em que tendo cada cidadão a função ou o papel que melhor se lhe adequa, de acordo com as suas características naturais e as que vai ganhando ao longo da vida, haveria um benefício para toda a comunidade, especialmente através de grupos de cooperação capazes de ser renovados.

Isto seria uma concretização em prol do bem comum, otimizando-se a sociedade no sentido de os seus membros assumirem cargos e funções que mais beneficiassem todo o grupo. Já para não falar do potencial de realização pessoal dos indivíduos/ cidadãos. Conseguindo implementar verdadeiramente uma sociedade onde a igualdade de oportunidades universal fosse uma realidade, especialmente no desenvolvimento das qualidades e das potencialidades dos cidadãos, poder-se-ia reduzir dúvidas e facilitar a revelação dos «melhores».

Então, tendo em conta o significado de aristocracia platónica e a capacidade de cada cidadão se representar a si próprio, para um sistema que conseguisse garantir que o reconhecimento dos mais aptos para cada papel não deixasse qualquer dúvida e fosse dada igualdade de oportunidades a todos os cidadãos, segundo o ideal de que o potencial de cada um depende do próprio indivíduo e das oportunidades que lhe são dadas pela sociedade e pelo meio social onde se desenvolve.

Conjeturas e utopias filosóficas à parte, até a ideia aparentemente mais improvável e criticável pode contribuir para relançar o debate sobre a necessidade de responder às necessidades de hoje e do futuro.

Um sistema que conseguisse garantir que o reconhecimento dos mais aptos para cada papel não deixasse qualquer dúvida e fosse dada igualdade de oportunidades a todos os cidadãos.

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