Andamos tão habituados a clichés e lugares comuns que, com frequência, em situações caricatas ou de aflição, há o hábito de dizer que “a minha vida dava um filme”.
O cinema tem essa coisa boa de nos mostrar tudo. A nossa imaginação pouco funciona. Aceitamos tudo quanto nos entra pelos olhos e com isso conseguimos rapidamente colocar-nos no lugar do outro.
É fácil falar sobre filmes. Todos vemos o mesmo e não há grande margem para interpretações. Estar sentado cerca de duas horas por filme, é suficiente para nos deixar marcas e memórias.
A literatura anda esquecida nas estantes criadas para guardar livros. Sobre os poetas, escritores, ensaístas pouco se fala. Parcas vezes dizemos que a nossa vida dava um livro.
E porque não apostarmos nisso também? Há quanto tempo não se sentam as mesmas duas horas para ler? Ler é um dos veículos mais rápidos para estimular a imaginação, com a vantagem de nos ensinar a escrever correctamente também.
Vivemos num mundo em que tudo é rápido. Vemos TOP’s de vendas em que raramente está um autor português. Andamos ao sabor da maré, nisto da leitura.
Pegando em dois rápidos exemplos, a Trilogia das Sombras do outro senhor viu uma explosão de vendas há poucos anos. Os capítulos de sexo explícito podem ter levado à elevada procura. Afinal, não é o mesmo que ver pornografia. E, continuando nos lugares comuns, lá fora é que é bom.
Em 1994, Miguel Esteves Cardoso ousou escrever O Amor é Fodido. Com vernáculo duma ponta à outra, inclui também sexo explícito. É um livro apimentado com sarcasmo, ironia pelas 187 páginas que o compõe. Tudo, bem antes de qualquer sombra ou trilogia cinzenta.
Há falta de conhecimento por quem não procura. Há falta de apoio aos escritores nacionais. E tão bons escritores que nos prendem às letras…
Quanto a mim, olhando para a estante que tenho em frente, os meus livros dividem-se entre Miguel Esteves Cardoso, Bocage, Dante, Florbela Espanca, José Saramago, Afonso Cruz, José Rodrigues dos Santos, Jostein Gaarder, Antóine de Saint-Exupéry, Woody Allen, Miguel Torga, Carlos de Oliveira, dicionários, livros infantis, autores nacionais emergentes, Milan Kundera, George Orwell, Eça de Queirós, Antero de Quental, Almeida Garrett (assumo-me como amante da escrita do século XVIII e fascinada com o trabalho escrito – todo ele – de Miguel Esteves Cardoso), manuais de fotografia e de bricolage. Entre eles, há também cadernos em branco que vou preenchendo com tempo, memórias e até cheiros.
Estamos em época de desafios. Deixo-vos um: e se a vossa vida desse um livro? Seria escrito por que autor nacional ou internacional?
A minha deu e os exemplares estão espalhados entre lojas, estantes de amigos e familiares.
Se conseguirem, à vossa medida e tempo, proponham-se a sentar-se e escrever sobre vocês próprios. Uma espécie de diário. O da vossa vida. É esse o livro de que a vossa vida é feita. E todos os dias são perfeitos para começar.
Era uma vez…