Tu, tu, tu. És sempre tu.
Sempre tu, nunca nós. Sempre tu na vida de todos. Ele também contigo, felizmente. O nosso neto é tudo, quando nós pouco somos. Sim, já não somos muito. Podes pensar que sim, mas chegas a nada como eu. Somos as sombras do passado que já lá foi, sou a sombra melhor da mulher que tive de ser por tua causa. Sim, sou a sombra que se lembra de tudo. A sombra que transporta memórias escuras da tua parte. A sombra que desejava nunca ter existido. Sim, porque foste sempre tu, porque pouco fui eu, porque somos a sombra que sai de nós e dos outros.
Vês a sombra da tua filha? Podes ver como a sombra dela se arrasta pela casa, tão longe da minha em idade, tão perto da minha sem futuro. Não, não foste só tu. Daquilo também criei, naquilo também a tornei. Uma mulher-sombra, que não vê palmo ou futuro, que olha por nós de dia para ser e fazer, falar, ouvir e esperar. Não sei pelo que espera, não sei o que ouve, sei que não vê. O corpo não permite ver, o cérebro também não. Não vê a nossa culpa, não vê a minha sombra, não vê a dela, não vê o teu pecado. Vê a luz do nosso neto, sim. Felizmente, sim, existe um núcleo pelo qual é necessário viver. Ele faz reviver o passado parco em felicidade, raro em sorrisos e gargalhadas. Serve de neto e máquina de tempo, do passado que pouco vivemos e do futuro que nos foge. Sabes disso? Eu sei, tu pensas que sabes.
Sempre tu, tu, tu.