Estômago aconchegado, memórias adocicadas

Na minha herança familiar gastronómica, calhou-me quase o impossível.

Sabem aqueles testemunhos, que já todos ouvimos acerca da comidinha caseira das avós? Pois é, nunca tive!

Coitadas, não tiveram culpa! Naquela época havia bem mais que fazer do que saber cozinhar grandes iguarias e ainda que tenha havido algumas receitas que me ficaram na memória, nenhuma delas seria digna de um grande banquete.

Da minha avó paterna, que infelizmente já não está cá para ler este texto, as minhas lembranças são de pirolitos. O pirolito é um género de rebuçado em forma de cone enrolado em papel vegetal e quase sempre de morango. Eu adorava e os vizinhos eram atraídos pelo cheirinho que saía da cozinha.

Outra receita da minha querida avó era a gemada. Já nesta altura, a minha avó fazia grandes batidos cheios de proteínas que eram bons para os ossos – dizia ela – e que era, nada mais nada menos, que cerveja preta sem álcool com um ovo cru lá dentro, mexia-se tudo muito bem e bota abaixo!

Por outro lado, a minha avó materna adoçava-me a boca, que neste tempo não havia cá a brigada anti açúcar, com bolo de café caseiro, pão com banha e açúcar por cima ou papas de farinha torrada, farinha essa que vinha diretamente do tabuleiro do forno onde tinha ido o pão a cozer. E a delícia que era o cheirinho de pão acabadinho de fazer!

No entanto, há uma receita que me acompanhou desde sempre. Deve ter sido das primeiras comidas que confecionei e não só esta passou das minhas avós para os meus pais, como deles para mim.

Senhoras e senhores, apresento-vos a tomatada. Pode parecer que vos estou a falar de qualquer coisa menos séria, mas não! A tomatada – ou como eu gosto de chamar – ovos com tomates, é um manjar dos Deuses!

Contudo, se estão reticentes com as minhas palavras, deixo-vos a receita para comprovarem.

Ingredientes para 4 pessoas:

  • 1 kg de tomates rosa maduros
  • 4 ovos inteiros
  • 1 cebola
  • 1 pitada de sal
  • 1 pitada de açúcar
  • Azeite

Preparação:

Pica-se a cebola e refoga-se no azeite. Quando já estiver translúcida, juntam-se os tomates cortados em pedaços pequenos. No momento em que estes estiverem fritos, juntam-se os ovos inteiros e mexe-se bem, adiciona-se o sal e uma pitada de açúcar para cortar a acidez do tomate.

Sem parar de mexer, quando os ovos estiverem cozinhados, apaga-se o fogão e está pronto a comer.

Para melhor saborear este prato é comê-lo diretamente da frigideira com sopas de pão.

E por que motivo esta receita faz parte das minhas lembranças?

Porque quando o meu irmão nasceu e eu e o meu pai voltamos do hospital, foi com este prato que a minha avó nos aconchegou o estômago. Porque quando não havia tempo para cozinhar, era a tomatada que era servida. Porque, tal como referi acima, foi dos primeiros cozinhados que fiz sozinha. Porque, agora na minha casa com a minha família, quando não sei que fazer para comer, continuam a ser os ovos com tomates a serem servidos.

Porque, no final, a tomatada está para mim, como o chá está para os ingleses: simples, aconchegante e que resolve qualquer problema que possa existir.

Afinal, o que queremos nós desta vida senão a magia das coisas simples?

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