Ao longo da História o ato sexual tem sido objeto de julgamento moral, de controlo social e de repressão, muitas vezes, revestido de tabus e de proibições. A forma como o sexo tem sido entendido e praticado difere consoante os contextos culturais, religiosos e políticos, o que está, intimamente ligado à perceção da intimidade, do prazer e do corpo.
Relacionada com o mundo divino, na Mesopotâmia, Ishtar é uma deusa associada ao amor, ao erotismo, à fecundidade e à fertilidade. Tal levar-nos-ia a pensar numa grande liberdade face à sexualidade. Contudo, o sistema normativo das relações humanas que geravam o casamento, expoente máximo de uma relação sexual, também eram rígidas. Citando Francisco Caramelo, investigador da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, (Erotismo e sexualidade na Mesopotâmia: «”quem se deitará naquele linho comigo?»),” o casamento supunha uma visão normativa, estruturante das sociedades mesopotâmicas, mais apostado em regular as relações económicas e sociais entre famílias e em promover a sua sobrevivência, designadamente através da perpetuação do nome, da sua identidade e do seu “património.”
Na civilização egípcia, a vida deveria ser uma réplica da dos deuses nas suas diferentes dimensões, às quais não escapava a sexualidade também sob o ponto de vista erótico, uma vez que se registam diversas dinâmicas sexuais entre os deuses. “Os egípcios contavam no seu panteão com o deus Min, em perpétua ereção; Hathor podia ser bastante desinibida, e Geb e Nut e Osíris e Ísis surgiram de maneira recorrente em imagens por todo o Egito. Mas tratava-se de uniões sagradas.”, tal como afirma o cronista cultural do El País, Jacinto Antón. Quanto às relações humanas, já não temos tanta informação.
Na Grécia e Roma antigas, o sexo era, em muitos aspetos, mais aceite como parte da vida quotidiana. Os gregos, por exemplo, viam o sexo como elemento do desenvolvimento humano e uma forma de vínculo social, particularmente em contextos de mentoria entre homens. No entanto, a sexualidade também estava associada a regras sociais rígidas, enquanto a homossexualidade masculina era relativamente aceite, a feminilidade e a passividade sexual carregavam um estigma irreversível. Questões de status social, poder e hierarquia ditavam o que era considerado “aceitável” ou “moralmente correto”.
Na Idade Média, com a ascensão e domínio do Cristianismo no mundo ocidental, assistiu-se a uma clausura fundamentada na vergonha e no estigma do pecado original. A Igreja Católica passou a exercer um domínio muito significativo sobre a vida sexual dos indivíduos, promovendo a ideia de que o sexo deveria ocorrer apenas dentro do casamento e exclusivamente para a procriação. O prazer sexual fora desses limites, incluindo o sexo pré-marital, a homossexualidade, a masturbação e o adultério, era considerado um sacrilégio carregado de culpas sujeita a punições severas.
As mulheres, em especial, eram vistas como perigosas fontes de tentação e de pecado, submetidas a um cerco social mais rígido em relação à sua sexualidade. Muitas, que fugiram a estes cânones, não puderam fugir à perseguição e pena na fogueira, pelo Tribunal do Santo Ofício, sob a acusação de bruxaria que enfeitiçava os homens que iam caindo em tentação. Imperava o conceito de “peccatum, ou seja, um desvio criado pelo Diabo” (Severiano, Cristian e outros).
O Renascimento trouxe algumas mudanças na perceção do sexo, sobretudo entre as elites culturais da Europa. Recuperou-se o interesse pelo corpo humano e pela sensualidade vividos na Antiguidade, e algumas obras de arte e da literatura exploraram temas sexuais com maior abertura. No entanto, essa redescoberta não foi suficiente para eliminar a supervisão social e religiosa sobre o sexo. O julgamento moral e religioso ainda eram presentes, e o sexo continuava a ser um assunto cercado por normas e restrições.
Com o Iluminismo, o pensamento racional iniciou o desafio de alguns preceitos religiosos sobre a sexualidade. Questionou os dogmas. O sexo começou a ser visto também como elemento da natureza humana, ligada ao prazer e ao bem-estar. Contudo, mesmo com estes avanços, a repressão sexual manteve-se, em sociedades mais conservadoras.
No século XIX, na Europa e nos Estados Unidos, a sexualidade entrou num período de forte repressão moral, conhecido como a época vitoriana. A moralidade sexual vitoriana era caracterizada por uma ênfase na repressão e negação do prazer sexual, fora do casamento. A sexualidade feminina foi alvo de maior polémica, aprisionada por tabus e associada a histeria ou desordens médicas.
O sexo era um assunto sobre o qual se falava pouco ou nada em público, visto como algo vergonhoso ou impróprio para discussões públicas. Por trás dessa repressão, existia uma curiosidade e uma atividade sexual que ocorria às escondidas, o que demonstrava um profundo conflito entre os desejos naturais e as imposições sociais.
O século XX trouxe uma série de mudanças profundas na maneira como o sexo era visto e discutido. A invenção da pílula anticoncecional na década de 1960 deu às mulheres liberdade e poder de escolha quanto à sua sexualidade, desvinculando o sexo da reprodução. Movimentos como o feminismo, a contracultura dos anos 60 e o movimento pelos direitos LGBTQ+ desafiaram as normas tradicionais sobre a sexualidade, promovendo uma visão mais livre e inclusiva.
O sexo passou a ser discutido, tanto na esfera pública quanto privada. Filmes, músicas, literatura e a internet trouxeram o sexo para o centro das conversas culturais. O conceito de “revolução sexual” enfatizou a importância do prazer e do consentimento.
O Século XXI abarca um pouco de tudo, isto é, diálogo e inclusão, mas também a continuidade do julgamento. É certo que, nos nossos dias, o sexo é naturalmente discutido, mas continua a enfrentar a resistência própria de culturas em determinados contextos. A internet e as redes sociais, por um lado, têm desempenhado um papel crucial na disseminação de informação sobre sexo, saúde sexual, consentimento, orientação sexual e identidade de género. Por outro lado, traz novos desafios, como a exposição, a objetivação e a persistência de estigmas e de preconceitos.
Ainda existem juízos de valor quanto a práticas sexuais, especialmente em sociedades mais conservadoras ou em comunidades religiosas tradicionais, como, por exemplo, o aborto, o sexo antes do casamento, a homossexualidade e a expressão de género. Estes continuam a ser motivo de debate e disputa e, em alguns casos, de discriminação e violência.
“Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do Novo Acordo Ortográfico
A abertura sexual sobrevaloriza efetivamente o prazer e o consentimento a ponto do cidadão normal se sentir menos capaz se não entrar na estatística da quantidade em desprimor da qualidade. Ótimo artigo!
Muita coisa havia na sexualidade romana que hoje não é aceitável. Apesar de tudo, somos povos diferentes.