A desvalorização do “eu” nas sociedades ocidentais

Cada vez mais a sociedade corre e vive ritmos de vida acelerados. As novas tecnologias evoluem, passe a expressão, a um “passo de gigante” e marcam formas de vida e filosofias. A verdade é que, porém, subsistem, crescentemente, doenças do foro psíquico, como depressões ou esgotamentos, o que leva o ser humano, de modo panorâmico, a considerar-se uma forma vital frágil e derrotada. Vivem-se tempos de desvalorização pessoal.

A base para tudo isso está, sem dúvida, na desvalorização do “eu”.

Pode ser um pensamento próprio e muito subobjectivo, mas a minha experiência do dia-a-dia mostra, persistentemente, essa visão. Por isso, considero ser gritante a emergência de um fenómeno que decidi designar de sociocentrismo. Este conceito corresponde à obsessão intermitente com o pensamento do “outro”, com a integração e interacção nos mais diversos grupos, com a aceitação perante os moldes sociais pré-estabelecidos ou estabelecidos conforme modas que surgem e ressurgem ou que se desvanecem, sendo substituídas por outras.

Dali, atinge-se a conhecida expressão de “sociedade de aparências”. Basicamente, toda a preocupação com o protótipo social, assim como com os estereótipos associados às mais diversas realidades fazem com que a aparência seja o ponto mais forte ao invés dos valores morais. Por incrível que pareça, já nos séculos XVIII e XIX, no seguimento das Revoluções Industriais (primeira e segunda, considere-se), o sociólogo alemão Max Weber falava precisamente na relativização dos valores morais, ou seja, estes tornam-se relativos, sem uma definição concreta, uma vez que o factor concorrência ganha força no meio laboral. Nessa época, aliás, começam a verificar-se as lutas entre empresas, dado que se assistiu a uma grande ascensão de pólos industriais, algo que pode ser associado às expansões tecnológicas que este marco concebeu.

Com aquela ideia, chega-se à sociedade de concorrência. Hoje, aquele padrão de competitividade é cada vez mais acérrimo. Ainda mais, se se considerar a importância atribuída à cultura do visual e à proliferação das imagens de marca, através rápida circulação de informação, influenciadas pelo ato de publicitar estar cada vez mais acessível a qualquer pessoa, tendo em conta as potencialidades que o ciberespaço comporta. Existe, com efeito, uma preocupação incessante de fazer mais e melhor, ideia que vem da corrente fordista, do século XX, dos EUA, com Henry Ford, resultante do taylorismo de Frederick Taylor, que introduziu o conceito de estandardização (produção em série, no menor tempo possível).

Muito embora estas alterações estruturais tenham trazido melhores condições de vida, o capitalismo trouxe novas fragilidades, especialmente ao nível da saúde do ser humano. Voltando a recuar até aos inícios da Revolução Industrial (século XVIII), as fábricas eram locais onde toda a família trabalhava, inclusive crianças, num regime de solo a solo, assistindo-se a uma burguesia cada vez mais enriquecida e a uma camada popular decadente, doente, débil, que lutava por uma vida melhor. À medida que os tempos foram passando, a saúde ia sendo um factor de pouca relevância; basta ver, no século XX, o surgimento de cidades cinzentas como Londres, abalada pelo smog (literalmente, nevoeiro de fumo). Foram precisas várias décadas até começar a existir uma nova preocupação, com o ambiente. Hoje, é certo que as condições estruturais são bastante mais evoluídas e os acessos à saúde muito mais propícios a qualquer ser humano, nas sociedades ocidentais, porém, o aumento de problemas psicológicos e psiquiátricos denota-se. O filósofo sul-coreano Byung-Chul Han fala precisamente nessa questão, na sua obra A Sociedade do Cansaço.

Com tudo isto, retome-se o segundo parágrafo, onde escrevia que a base está na desvalorização do “eu”. A submissão sempre existiu. Nos dias de hoje, é diferente: passa por ser concretizada à sociedade e não às forças da autoridade. O ser humano revela-se cada vez mais um ser social, que entende a sociedade como definidora da sua forma de vida. Mais, esquece-se de que está a ser constantemente invadido por informação, o que leva a uma consequente ausência de organização mental. Nicholas Carr explica, no seu livro What Internet Is Doing to Our Brains, que o mundo cibernético se mostra um meio de absorção dos seus utilizadores, fazendo com que seja esse meio a captá-los ao invés da situação inversa, levando, por sua vez, a uma desregulação mental. Talvez o problema esteja aí: falta regular a mente. Falta perceber o que a nossa mente procura, pensa, deseja, pretende exteriorizar, conceber.

Finalmente, o ser humano precisa de se procurar mais e de procurar menos. Acima de tudo, necessita de treinar a sua mente para os desafios da actualidade e do seu próprio dia-a-dia, contribuindo no sentido de adotar uma filosofia de vida que lhe permita compreender os actos como uma fonte de aprendizagem subsequente, de pensar mais a médio e a longo prazo, de ter uma acção instantânea com um pensamento mais longitudinal. Ao fazer tudo isto, deve, então, raciocinar sobre o futuro das novas gerações, questionando-se: é este o futuro que pretende-se ensinar àqueles que virão? A valorização pessoal pode ser vista como um bem social, dado que valorizando mais o “eu”, passar-se-á a valorizar mais o “outro” pela sua capacidade de pensar, de, consequentemente, comunicar melhor e promover um pensamento mais conciso, sólido, extensivo, logo, menos intensivo, bem como menos dominado pelo cansaço vago associado a uma certa apatia que parece eternizar-se.

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