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O Presídio da Trafaria

O edifício está ali há anos, mas consegue passar completamente despercebido como se se estivesse a esconder dos olhares que o radiografam com precisão. Sempre teve uma fisionomia agreste e enfrenta o rio como se não fosse aquele o seu lugar. Conseguiu esconder as inúmeras amarguras que se viveram pela calada e bem camufladas dos olhares indiscretos.

Até ao 25 de Abril de 1974, serviu para albergar os opositores do regime que ali foram forçados a permanecer em condições deploráveis e desumanas. Liberdade, palavra doce e saborosa, nunca por lá foi sentida nem mesmo por aqueles que pensavam que usufruíam dela. O edifício foi multidisciplinar pois a chamada justiça, ou falta dela, era exemplarmente aplicada naquele local.

Hoje suscita outro tipo de interesse. Alguns fotógrafos e curiosos, muitos, indagam que forte é o que encontram à saída do barco. Muitos, com vidas tão rápidas e sempre a correr, nem se apercebem da sua presença que conserva memórias que muitos gostariam de nunca ter conhecido. A História que não pode ser apagada e permanece intacta.

Os degraus de madeira estão doentes de tanto que presenciaram. Não é só a passagem do tempo que os martiriza, mas também o que ouviram e sentiram. O som que emanam é de dor, um gemer de solidariedade que já não permite que sejam percorridos. Tornaram-se perigosos, tal como quem foi forçado a habitar aquelas celas minúsculas e tão madrastas.

As grades há muito que desapareceram, mas os lamentos e as dores que se viveram ficaram impregnados nas paredes que choram e soltam o sangue acumulado das torturas e maus tratos que tiveram que assistir. Os relatos que são conhecidos, os possíveis, deixam qualquer um arrepiado pela falta de humanidade que foi aplicada por supostos humanos.

As celas, estreitas, eram “decoradas” com dois colchões e quatro cobertores que vinham acompanhados de piolhos. A comida, intragável, era distribuída com resíduos de excrementos e exalando um cheiro nauseabundo. Eram os seus iguais que se ausentando da sensibilidade, lhes ofereciam uma vida que eles próprios a viviam, sem o perceber.

Algumas conservam a marca da passagem do tempo, com linhas que se colocavam todos os dias para não se perder o que restava da dignidade e da vida, que continuava a brotar por entre as torturas e os maus tratos infligidos pelos seus semelhantes. Engano puro. Também eles estavam a ser vítimas de sevícias diárias e contínuas.

Os direitos básicos não existiam. A pouca correspondência que chegava às mãos dos prisioneiros era violada e grande parte roubada. As parcas visitas eram controladas e sem privacidade o que aumentava o sentimento de revolta. Mesmo nas piores condições e nas mais adversas, a comunicação entre os detidos foi estabelecida.

Das várias revoltas que viveu ficaram as memórias dos fracassos, mas do alerta que as mesmas provocaram. Os presos eram pessoas que tinham capacidades de organização e tendo um denominador comum, seria bem mais fácil a união para o objectivo final. Por muito que se quisessem apagar, estas movimentações incomodaram os regimes.

Recebeu presos políticos até ao dia 25 de Abril de 1974. Os responsáveis da tentativa do 16 de Março, foram forçados a permanecer nessas celas até à libertação final. Estes ainda gozaram de um estatuto mais peculiar: estavam isolados, não podiam falar com os outros detidos e só podiam ver a família uma hora por semana.

Na tarde do dia 25 de Abril, um regimento vindo de Torres Novas libertou todos os detidos naquelas instalações, abrindo as portas de par em par, permitindo que uma lufada de ar fresco soltasse os ares negativos e pestilentos que se haviam acumulado durante demasiado tempo.

A tinta já não existe nas paredes, mas as marcas dos lamentos e dos desabafos estão nas paredes. À entrada sente-se um aperto no pescoço, uma energia de tal forma negativa que nos faz sufocar. Os cheiros desapareceram, mas as páginas de história que ali se escreveram teimam em ficar. Uma sensação tão dolorosa como o que se planeava como solução. Como foi possível tal ter acontecido?

Na verdade, tão prisioneiros eram os reclusos como os guardas que tinham que prestar serviço no forte. Ao acatarem as ordens recebidas nada mais faziam que ser a mão carrasca que encurtava as vidas de ambos os lados. Vidas que se viveram e tempos que nunca serão apagados de quem os presenciou.

O passado é o que temos à nossa disposição para se trabalhar um melhor futuro. Uma matéria prima que pode sempre ser aprimorada e amassada, com a ajuda de todos e não só daquela personagem que nunca se afasta, o chamado diabo, para fazer o pão que a todos poderá contentar e satisfazer.

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