Entre tudo aquilo que me causa angústia por falta de entendimento, a expressão “ninguém é insubstituível” é perita em pôr-me em alvoroço. Somos educados para estarmos sempre insatisfeitos, sermos mais ambiciosos, não nos contentarmos com pouco. Para consegui-lo, devemos trazer à tona o que de melhor há nós, numa constante potenciação das valências que nos diferenciam. E, depois de pormos tudo quanto somos no mínimo que fazemos, dizem-nos que somos facilmente substituídos? Não, não acredito nisso.
Ao longo do nosso percurso, vamos sendo números. Identificam-nos pelo número do cartão de cidadão, pelo número mecanográfico, pelo número de leitor e o nosso trabalho diário é identificado pelo número do contrato. Contudo, não podemos esquecer que tais números são uma mera forma de organização social. Enquanto nos atribuem uma experiência singular no mundo, são incapazes de traduzir tudo aquilo que somos nos mais variados contextos de interação.
O número do cartão de cidadão não indica quantas vezes tivemos preguiça de reciclar nem quantas vidas melhorámos com pequenas ações. Quanto ao número mecanográfico, este não declara se copiámos no exame mais importante da nossa vida académica ou se demos respostas inovadoras às perguntas de sempre. E muito menos os números são capazes de dizer se as boas ações foram um ato de vaidade ou se a criatividade do discurso realmente serviu para alguma coisa.
Estas afirmações podem parecer tolas, mas servem para mostrar que, ao passo que os números de identificação se vão sucedendo, a nossa posição no mundo é descaradamente única. Ou, noutras palavras, só não o vê quem não quer. Coisas tão simples como o som da nossa gargalhada e a forma desajeitada como corremos tornam-nos insubstituíveis. Caso contrário, não falaríamos de “personalidade”, isto é, de uma “individualidade consciente”. E, se assim fosse, de nada nos valeria o esforço diário para nos encontrarmos a nós mesmo. E o trabalho que isso dá!