Princesa Leia e o espetáculo ‘As Faces de Carrie’

“Pega no teu coração partido, e transforma-o em arte”. Foi com esta frase que uma emocionada Meryl Streep agradeceu o prémio de carreira Cecil B. DeMille, nos Golden Globes de 2017. A frase pertence a Carrie Fisher, a princesa que já se encontrava numa galáxia muito distante, para lá do universo conhecido.

Será difícil tentar imaginar Carrie Fisher a proferir tal frase sem um toque de incitação à rebeldia e com a força feminina que era bastante desconhecida no cinema até à década de 1970. A personagem Leia, de Carrie Fisher, era tudo menos a típica princesa em apuros. Mantinha a beleza do estereótipo, mas foi ela quem salvou os heróis masculinos inúmeras vezes e vencia o próprio Han Solo em sarcasmo. Da mesma forma que não teve receio em enfrentar um homem com partes robóticas de dois metros, mesmo sem qualquer arma a não ser a sua língua afiada e destemida. Homem, esse, que acabaria por ser revelado como o seu pai biológico. Contudo, aquele momento não foi de rebeldia face aos pais.

A rebeldia face aos pais acabaria por vir mais tarde, em livros que cronicaram a relação com a sua mãe, Debbie Reynolds. Uma relação complicada, mas com um amor inegável. Um desses livros deu origem ao filme “Postcards from the Edge” (1990). No filme, o papel de Carrie Fisher foi interpretado por Meryl Streep, que Carrie respeitava ao ponto de proclamar que desejava ser tão boa atriz quanto ela. Contudo, Carrie era de facto uma soberba atriz. Isto é provado pelas interpretações nos mais novos filmes da saga Star Wars que demonstraram o impacto com que pode proferir texto dramático, na pele de uma guerreira cansada e a travar uma guerra constante. Guerra espelhada pela vida de Carrie, tanto a nível pessoal como profissional.

Segundo a biografia da própria Carrie Fisher, no livro póstumo The Princess Diarist (2016), ela é uma autora e atriz conhecida pelo seu papel como Princesa Leia na saga Star Wars (Guerra das Estrelas para os fãs portugueses die hard). Apareceu em inúmeros outros filmes, incluindo “Shampoo” e “When Harry Met Sally”, e é autora de livros bestsellers de ficção e autobiográficos também. Por entre todas estas escritas de ficção, autobiografia e ficção baseada em autobiografia, pode-se afirmar que Carrie Fisher viveu os seus 60 anos de forma intensa e nunca virou as costas a um problema. Lutou contra a toxicodependência, depressão e transtorno bipolar. Lutou com garra humorística e de esperança por tempos melhores.

Foi por isso que a emergente Bad Reputation Company decidiu levar a palco o espetáculo “As Faces de Carrie”, com encenação minha. Na peça, uma Carrie já envelhecida escreve sobre a sua vida e episódios marcantes. Apesar de ser homenagem a uma pessoa ícone, é também um dissecar de acontecimentos que marcam a vida humana como a arte, os pais, o crescimento, o alcoolismo, toxicodependência e doenças mentais como depressão e transtorno bipolar. Problemas contra os quais não podemos lutar sozinhos ou em silêncio. Daí a peça ter uma vertente de incentivo à conversação em sociedade, colocando a nu os estigmas e tabus que Carrie procurou combater. O espaço lisboeta de estreia será o Auditório Fernando Pessa, dias 28 e 29 de fevereiro pelas 22h e dia 1 de março pelas 16:30.

Agora vou ouvir “Happy Days Are Here Again”, tema musical favorito de Carrie Fisher. Porque dias felizes estão aqui outra vez. E mesmo que não tenham chegado ainda, tenho esperança de que vão chegar. E mesmo que não cheguem, uma pessoa tem de pegar no coração partido e decidir de uma vez por todas transformar esses fragmentos em arte. Mantendo sempre a empatia e rebeldia de uma figura como Leia.

May the force be with you…

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