A falta de curiosidade é o verdadeiro analfabetismo.
Estava ali quieto, aninhado no meio da relva por cortar, há cerca de um minuto, quando o rato se aventurou fora do buraco. Em menos de um coçar de bigodes, tinha o pequeno animal na boca e atravessava, furtivo, as pedras da calçada, mas a conversa de duas vizinhas chamou-lhe a atenção. A conversa, sim, porque o bichano parou junto de uma árvore, pousou o rato na terra – imóvel, talvez morto, talvez aterrorizado – e sentou-se a ouvir, certamente, falar da vida alheia. Num minuto em que desviei os olhos, ouvi a chiadeira do carro e um miado agonizante. Confesso que fechei a janela para não ver o que se seguiu. Se isto fosse um conto, teríamos um gato coscuvilheiro. Como não é, tratou-se, apenas, de um gato curioso, que almejou o conhecimento.
Não é, também, a curiosidade que move o mundo? Creio-a muito subvalorizada.
Não encontro uma diferença abismal entre a curiosidade que permite descobrir novos continentes, o avanço de todas as ciências e a que envolve a vida dos outros. Não será a observação do outro que nos permite refletir sobre o exterior, o nosso comportamento, o nosso “eu”, a nossa posição face à vida?
É a curiosidade que permite o desenvolvimento do ser humano. Enquanto crianças, passamos o tempo a fazer perguntas, a tentar descobrir o universo. À medida que envelhecemos, perdemos essa capacidade de querer abarcar todo o saber. E também de nos deixarmos explorar, de nos darmos ao outro, enquanto seres ricos em conhecimento.
Vamos excetuar neste plural os criativos, os inteligentes, as grandes mentes que nos empurram para a frente com o seu espírito vigoroso, esta virtude que se abre ao fascínio que o desconhecido lhes provoca.
A falta de curiosidade, o verdadeiro analfabetismo, característica de espíritos indolentes, é o que nos faz passar pela vida, de forma cinzenta e amorfa, ignorando o tão pouco que podemos abarcar dela.
É nobre a curiosidade sobre a ciência, que permite o avanço da Humanidade. Tal como a que incide sobre o funcionamento da mente do outro, possibilitando o progresso do indivíduo. Não contribuirá esta, também, para o desenvolvimento do global? A vivacidade indagadora tanto permite descobrir novos continentes como as coscuvilhices de bairro. É o que cada um faz desta sede de conhecimento que confere o valor aos seus atos. O espírito é o mesmo, a consequência tem medida diferente. É um sentimento que não se esgota num fim de estrada reta, há sempre mais uma curva a revelar novos horizontes.
A curiosidade é uma força propulsora da pesquisa, logo da evolução, do progresso, seja na matemática ou na psicologia. É geradora de cultura. Veja-se o caso da literatura. É o mistério que abre novos horizontes ao leitor, que enseja descobrir a trama do romance.
Em Uma história natural da curiosidade, o escritor argentino Alberto Manguel define a busca do novo como uma característica essencial que nos permite sobreviver para imaginar as experiências que nos constroem e nos possibilitam entender o mundo, verdadeira força motriz por trás do progresso humano, que molda a nossa cultura e sociedade.
Terá mesmo a curiosidade matado o gato? Difamação, calúnia contra este ensejo do saber!
De qualquer forma, à sua dimensão, o gato terá descoberto o mundo. Não terá morrido ignorante.
Eu gosto de catar o mínimo e o escondido. Onde ninguém mete o nariz, aí entra o meu, com a curiosidade estreita e aguda que descobre o encoberto.
Machado de Assis
Nota: este artigo foi escrito segundo o Novo Acordo Ortográfico.
Eu acho que a curiosidade faz avançar o mundo!
Fabuloso. Foi sempre a curiosidade que me moveu, daí ser observadora. Estas duas premissas juntas fazem-nos avançar em conhecimento e sabedoria.
Muoto bom este artigo! Adorei os paralelismos!
A curiosidade é o garante da evolução. É parente do sonho, conducente à realização de desejos. Move-nos, instrui e aguça o apetite de saber cada vez mais.