Esteve a pensar, durante muito tempo. Apoiou os cotovelos na mesa e coçou a barba. Olhou pela janela. Olhou para os dedos das mãos, e, de novo, perdeu-se no seu pensamento, na sua procura. Não via uma solução, pelo menos não uma que fosse fácil. Olhou para o telefone e, depois, para o papel que tinha em cima da mesa. Leu-o pela décima vez, e decidiu-se.
Não podia esperar mais.
Fez uns telefonemas, não muito demorados. Tudo parecia fácil. A seguir, saiu do escritório, com pressa. Disse à secretária “vou fazer mergulho”, enquanto vestia o blazer, e por um momento quase teve vontade de olhar para ela fixamente, olhar para a beleza dela. Tinham passado bons momentos, nas altas horas da noite naquele escritório, com a juventude e o erotismo dela.
“Até amanhã” sorriu-lhe ela.
Ele tinha o hábito de fazer mergulho para relaxar, e ela já sabia que ele não voltaria até ao dia seguinte.
Pegou no carro e conduziu calmamente até ao rio. Lá, naquele rio que conhecia tão bem, o seu instrutor esperava-o.
“Trataste de tudo?” perguntou, nervoso.
“Claro. Mas tens a certeza?”
“Não, mas tem de ser. Não encontro outra solução.”
O instrutor olhou para ele.
“E assumires? Resolveres?”
Ele olhou para o instrutor. Eram amigos há muitos anos, e não levou a mal o comentário, a pobre e insatisfatória solução apresentada, porque sabia que ele só estava preocupado.
“Em que é que ir preso ajudava a minha família?”
Trocou a roupa pelo equipamento de mergulho, com ajuda do instrutor. Tinha uma expressão fechada, própria de uma despedida, de um fim.
“Ele está à minha espera?”
“Conforme pediste, sim.”
Despediram-se com um abraço, que era também um obrigado. O instrutor quis perguntar-lhe para onde ia, qual era o seu plano, se tinha avisado a família. Mas soube que ele não lhe iria responder, pelo que engoliu as palavras e o abraço partiu-se.
Ele não olhou à volta, para a sua terra, para o rio e a paisagem que o tinham visto crescer, quando mergulhou. Estava confiante. Não sabia se voltaria, nem se sobreviviria, mas no momento em que tocou a água, sentiu-se confiante.
Horas depois, a família deu o alerta do seu desaparecimento.
A polícia desconfiou, depois de ver o papel que estava na mesa do escritório, depois de saber que as Finanças andavam atrás dele. Desconfiou que tivesse sido um plano para desaparecer, mas nunca conseguiram provar. Investigaram a mínima pista que aparecia, procuraram razões, pegadas, impressões. Meses depois, o corpo ainda não tinha sido encontrado.
A mulher e o pai decidiram fazer uma cerimónia simbólica, uma missa pela sua alma. Por um lado, tinham a certeza que tinha morrido e que o corpo tinha sido arrastado; por outro, não escondiam nos olhos um pouco de esperança de que ele voltasse, de que tudo tivesse sido um engano e ele, simplesmente, tivesse sido encontrado sem memória. Algures. Para eles, a cerimónia funcionaria como um pacto com Deus, uma superstição: nós fingimos acreditar que ele partiu, e tu decides devolvê-lo à sua família.
Mas a mãe, não. A mãe tinha a certeza que ele tinha morrido. Porque dois meses depois de ele ter desaparecido, numa cidade de outro país, pareceu-lhe vê-lo. Ele acenou-lhe, mas não se aproximou. Ela tapou os olhos, para se proteger do sol, e de repente ele não estava mais lá. Mas tinha estado; ela sabia que tinha estado. Ela tinha sentido que era ele, a presença do seu filho. Apesar da distância, tinha sentido o aperto na barriga, o cheiro dele, a alma boa. O coração de mãe não mentia, a presença dele tinha sido real.
Por isso, ela tinha a certeza que ele estava morto, mas também tinha a certeza que ele estava bem.